quinta-feira, 24 de junho de 2010

Um texto ficcional (para refletir)..

                                             Um sentido para a vida.
                                                       (conto)

                                   A festa do aniversário de 85 anos do Seu Everton foi linda. Parecia até festa de criança, com balões coloridos, mesa farta de salgados e doces, bebidas e, a animar, as músicas antigas de sua preferência. Um dos filhos, o Germano, fora buscar, nos sebos, velhos discos-vinil de Orlando Silva, Francisco Alves, Aracy de Almeida e de tantos que o velho sabia até de cor as letras. Filhos, filhas, netos e bisnetos numa só algazarra festiva. Everton iluminava-se num sorriso complacente, um misto de alegria e tristeza; melhor dizendo, uma certa melancolia na expressão, por traz do riso.
                                   Cantaram-se os parabéns, trocaram-se efusivos abraços, sufocando o velho de “cabelos cor de prata”, parafraseando a canção popular. Repito: foi muito linda a festa.
                                   O velho Everton fora meu primeiro chefe no meu primeiro emprego no Rio de Janeiro, na velha Rua do Costa, nos idos dos anos 40 do século passado. A amizade e a consideração pessoal, transcendendo à autoridade de chefe, nos uniram durante grande parte de nossas vidas. Estava ali presente à festa de seus 85 anos. Ele me intimara a comparecer sob o risco brincalhão de “acabar nossa amizade”.
                   Terminada a festa, esvaziada a sala, apagada parte das luzes, a casa voltou à costumeira intimidade. Meu velho amigo pedira para eu não sair logo, queria me falar algo. Sentado na sua cadeira de balanço na penumbra das cortinas de um canto de janela, encetou um discurso que me calou de forma profunda. Diga-se, antes de narrá-lo, que o Everton fora sempre um homem cheio de vida, de muitos amigos, festeiro, carnavalesco e amante das belas mulheres. Apesar de estar bem para sua idade, me parecia portador de uma certa angústia como deixara transparecer no curso da festa. Mas vamos ao seu discurso.
                       Disse-me o velho, amigo:
                     “Sempre se saúda efusivamente a idade das pessoas, principalmente quando chegam aos 80 anos, sobrevivendo. Você viu quanta alegria se espalhou por esta sala, mas a rigor na mente de todos e de cada um há a certeza de que outras festas como esta, dentro em pouco, não mais se repetirão. Você há de me perguntar: como, se o amigo não tem certeza da morte, ou do fim ?. Digo-lhe: a única certeza que não tenho é da data; da proximidade, que é inexorável, não me posso livrar.

-Deixa disso Everton, espanta esta tristeza.

                     –“Não é bem tristeza que tenho; é a angústia que me dá a exata dimensão da morte que, para mim, se afigura como uma derrota. Tive longos dias de felicidade, alguma tristeza e agora esta certeza da aproximação do fim. Os dias me parecem cada vez mais longos na minha solidão e a falência física, de que tenho consciência, me atormenta. Às vezes penso que a morte será a verdade da vida, mas um recôndito desejo de viver me anima. Dos meus amigos, à volta, restam poucos; a grande maioria já se foi premiada, pois o viver lhes poupou a angústia da velhice. Amigo, a idade me significa perda e a consciência de não ter compreendido, apesar dos anos, o sentido da vida. Para terminar este desabafo que você, tão pacientemente, escutou, digo-lhe que hoje compreendo aqueles que, por cansaço,se despediram voluntariamente da vida, admirando-lhes a coragem que me falta.
                         Terminado o discurso amargo do velho amigo, me despedi dele emocionado e andei vagando pelas ruas noturnas de Copacabana, não conseguindo sequer formar um juízo de tudo o que ouvira, tarefa que deixo para aqueles que ora me lêem
                                    A madrugada fria me fez mergulhar também num sem sentido.

                                   Passados cinco anos e quatro festas de aniversário o velho amigo Everton se despediu da vida sem revelar o seu sentido.

VHCarmo.

Um comentário:

  1. Meu querido amigo: Prá quem te conhece essa ficção nos fala algo muito pessoal. Ocorre com todos, a diferença é que a maioría não faz sua própria reflexão. "A idade me significa perda e a consciência de não ter compreendido, apesar dos anos, o sentido da vida." Estas coisas não podem ocorrer com pessoas educadas, sensatas e que, certamente, compreenderão sua produção pessoal ao longo da vida, com a familia e os amigos ao redor, presentes. São vitoriosos, basta apenas perceber. Para mim, te vejo assim!
    Lembra-se dos seus 60 anos lá no Marapendi? Todos estavámos alegres e honrados com sua amizade. Já viu como foi proveitoso? E eu aqui velho, já fiz 71 e tenho mais é que pensar e tirar o maior proveito, de forma positiva, claro,
    não sendo um velho "manè" como tantos aí "se achando".
    Nós agora Vitor, só temos passado e o futuro já estamos nele...
    Vamos aprender muito ainda. O seu amigo Everton(?) tá sabendo disto agora, com certeza.
    Só existe vida.

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