quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

DE BUENOS AIRES ATÉ URUGUAIANA...

                  O conto que aí vai surgiu na mente deste escriba por ocasião de uma viagem que, com minha mulher, fizemos de Buenos Aires à Uruguaina - Rio Grande do Sul que, dada a precariedade do ônibus e as dificuldades do percurso, jamais foi esquecida.  A figura do velho soldado escapa, a rigor, da ficção mas foi deslocada para aquela viagem. São coisas da ficção...
      Olhem só:                         

                       CONFIDÊNCIAS DE UM VELHO SOLDADO.


                                                             ( conto)

O velho ônibus no qual vínhamos de Buenos Aires, cor de aço polido, ia para Uruguaiana na fronteira brasileira. Era um veículo muito rodado, embora bem conservado. Não tinha banheiro e a cada 50 quilômetros, quando era possível, parava numa estância onde se encontrava algo para os passageiros comer e banheiros. Quando o ônibus penetrou na região semiárida do norte da Argentina em cujos campos secos, entremeados de manchas verdes rasteiras, sob um céu de chumbo, ainda se viam alguns rebanhos de gado vacum e ovelhas, as estâncias escasseavam e quando os passageiros se apertavam em suas “necessidades”, as paradas se davam a céu aberto. Primeiro as mulheres por trás do ônibus se agachavam; depois iam os homens que eram em maioria. E a viagem prosseguia por aqueles ermos. Vinda a noite, as paradas na estrada eram mais tranqüilas, protegidas pelo negrume com as luzes do veículo apagadas e, aí, as “necessidades” eram satisfeitas com mais tranqüilidade; ouviam-se, apenas, os pios das corujas e o esvoaçar dos pássaros noturnos.

No assento ao meu lado, desde a cidade de Rosário, sentou-se um homem que aparentava, então, aí por uns 60 anos; forte, branco e avermelhado, de olhos muito azuis, com um jeitão simpático. Nem mais percorridos 2 quilômetros, ali ao meu lado, ele puxou conversa. Era estrangeiro, falava com forte sotaque que não pude logo definir. Falou do tempo, da natureza inóspita daquela região em que estivera por alguns anos, cuidando do gado, quando veio da Rússia, após a segunda guerra. Fora, então, visitar na Argentina velhos camaradas.

A Segunda Guerra Mundial foi o gancho para prolongar a conversa e espancar a monotonia do rodar vagaroso do velho veículo por aquelas estradas precárias. Estranhamente, o assunto, pelo qual ele mesmo enveredou, pareceu transformar o seu semblante calmo, imprimindo-lhe uma nuvem de tristeza e contração. No entanto, parecia-me, por outro lado, que lhe comprazia contar sobre a guerra que, desde logo me disse que participara como soldado.

Ele, embora russo, nascera em Sinferopol na Península da Criméia onde passou a sua infância e a juventude. Foi um adepto dos exercícios de tiro ao alvo, costume muito em voga naquela região. Sem qualquer traço de convencimento, sem constrangimento mesmo, confessou que se tornou, ainda bem moço, um exímio atirador, usando diversos tipos de armas inclusive algumas de longo alcance.

Vinda a invasão alemã da União Soviética pelos exércitos nazistas, em junho de 1941, Miguel teve que abandonar a escola profissional que freqüentava – ele sonhara ser piloto de avião - e, convocado, foi para o front. O Exército Vermelho recrutava atiradores de elite para atuar na retaguarda dos exércitos alemães invasores que, àquela altura, já penetravam por mais de 600 quilômetros no interior da Bielo Rússia.

Ele continuava a sua narrativa. Atirados às margens do Pântano de Tripet, onde os veículos pesados alemães e a tropa não tinham como avançar, contornando-o, deixavam algumas brechas no front. Miguel e mais quatro atiradores foram introduzidos naqueles espaços, em trajes civis chegando àquela região, em pontos estratégicos, junto às estradas de ferro e no flanco da retaguarda das forças invasoras.

Munido de armas de alta precisão, munição e algo para a subsistência, atirados por planadores russos, eles se separaram e se embrenharam pelo terreno úmido do pântano, protegidos pelos turfos da vegetação esparsa. Dali, protegido e com o auxílio da luneta de precisão da sua arma, Miguel atirava, à distância, alvejando, até com certa facilidade, os vagões de combustíveis dos trens que vindos do Oeste iam em busca do front. A explosão destruía parte do trens e fazia voar os trilhos. A cada ação, o Miguel Vichinskis – ele fez questão de me dizer o seu nome por inteiro – fugia, às pressas do local que, em seguida, era bombardeado pela artilharia inimiga.

Os alemães, mais tarde, na tentativa de impedir os atiradores de elite no seu flanco e na retaguarda, começaram a lançar pára-quedistas para dentro do pântano a fim de impedir aquela ação que lhes causava problemas sérios de abastecimento, tanto de combustíveis como de alimentos das tropas que iam na frente de batalha. Os blindados e tanques não penetravam o pântano onde se arriscariam ficar atolados no terreno encharcado e movediço.

Àquela altura o velho ônibus deu uma parada numa região de matas, em uma estância mais próxima da fronteira do Brasil. Descemos todos passageiros e, depois de muitas horas sem comer, encontramos ali um farto café-da-manhã. Deu tempo até para os passageiros lavarem-se ainda que ligeiramente.

A viagem prosseguiu após, cerca de uma hora. Miguel, continuou a narrar, e aí, já entrávamos no terço final da viagem, o velho ônibus ia penetrando o território brasileiro.

Quando cessava a artilharia, Miguel procurava outra posição, já agora vigiando a presença de soldados alemães atirados de pára-quedas dentro dos alagadiços. Dormia abraçado às suas armas, procurando sempre se acercar das casas de algum dos poucos habitantes daquela terra úmida. Voltava à luta, quando a situação se acalmava, à beira do pântano, para alvejar os trens e a retaguarda das tropas alemãs retardatárias na guerra-relâmpago, cuja ponta de lança blindada já se adiantara.

Miguel continuou contando sua aventura por aquele pântano, terra úmida, rica de húmus e pululando de insetos incômodos. Os planadores continuavam a alimentá-los, a ele e aos outros atiradores, com armas, munições e comida. Os alemães, embora de modo esparso, continuavam a lançar alguns pára-quedistas na área.

Num dia escuro em que subia dos pântanos uma espécie de nuvem cinza, embaçando a vista por alguns metros prenunciando o outono que se aproximava, estando o Miguel a vigiar o céu, viu, rompendo a bruma, um pára-quedista, balançando nas cordas do pára-quedas, empunhando uma metralhadora e, aos poucos, se aproximando do solo. Escondido no mato, Miguel pôde ver então que era um rapaz bem jovem, não teria mais que 20 anos, forte, bonito, rosto quadrado, cabelo rente, descoberto. Miguel me disse, então, num tom tristonho que, naquele momento, não teve coragem de atirar no rapaz; alguma coisa, uma sensação estranha lhe travou o instinto de atirador e, mantendo a arma apontada, aguardou que o jovem soldado chegasse ao chão, quando ficou a menos de 200 metros do cano de sua metralhadora, por entre a folhagem.

- “Hoje - me falou Miguel – confesso que cometi, então, uma imprudência que poderia me ter custado a vida, mas não me arrependo”.

Mal o soldado se pôs em pé, de seu esconderijo, falando em alemão, Miguel gritou-lhe que se rendesse. Ao ouvir a advertência o jovem levantou sua arma e atirou. Miguel, experiente, já se deslocara e de onde foi se esconder atirou certeiro, atingindo a cabeça do soldado que se despedaçou, espalhando sangue e miolos em volta, debruçando-se no solo.

Nesse ponto da narrativa algumas lágrimas rolaram dos olhos do russo.

O velho ônibus se aproximava de Uruguaiana. Antes de chegarmos ao destino, refeito da emoção Miguel, me disse que matar na guerra se torna, às vezes, uma coisa banal, pois no front, no calor do combate, não se tem certeza de onde partiu o tiro que fez tombar o inimigo.

- “Mas, o projétil que estourou os miolos daquele jovem partiu diretamente da minha metralhadora”, disse chorando mansamente o velho atirador.

Confessou, com a voz embargada, que nunca mais conseguiu esquecer aquela cena, embora ele tenha prosseguido na guerra até 1945: naquele conflito que vitimou milhões de outros jovens como aquele soldado alemão. Nunca mais atirou com qualquer arma.

Na rodoviária de Uruguaiana Miguel me abraçou ainda emocionado, na porta do velho ônibus cor de aço polido, e tomou seu destino. Quando ia dobrar a última esquina virou-se em minha direção acenou com as mãos.

Nunca mais nos vimos.

Victor Hugo do Carmo - dezembro de 2010.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Minha amiga Ema (conto).

                                                           Minha amiga Ema Maria

                                                                Lembranças fugidias...

                                                                         ( conto)

                                         Nos conhecemos nos idos de 1962. Fervilhavam, então, nas mentes jovens, as questões políticas ligadas às reformas de base, reivindicadas pelas classes populares, arrimadas na presença de um governo de cunho popular que garantia a plena vigência da Constituição de 1946. Ema Maria estava, então, aí pelos 23 anos de idade; era bela, mas não importa falar, pelo menos por agora, sobre sua beleza. Egressa do movimento estudantil filiara-se ao Partido Comunista (PCB) e logo se revelou uma liderança. De inteligência viva e boa cultura, foi fácil assim se impor. Sobrevindo a ditadura militar em 1964, Ema passou à clandestinidade. Com AI 5, optou pela luta armada. De Ema passou à Sílvia Conde, seu codinome.
                                       Com o recrudescimento da repressão, a guerrilheira esteve foragida em Cuba, onde se nutriu da doutrina do “foquismo”. Voltando ao Brasil, meteu-se na Guerrilha do Araguaia que acreditava ser o núcleo, o foco, para expandir a revolução e a restauração democrática. Foi presa e torturada, no DOI-CODI de São Paulo, para onde foi transferida, mas sobreviveu. Encontrei-a, faz alguns meses, caminhando pelo calçadão da Praia de Copacabana. Notei que ainda conserva alguns daqueles traços de formosura que as rugas tentam encobrir. Das torturas que lhe infligiram restou a claudicação no seu caminhar; coisa leve quase imperceptível.
                                          Num desses encontros sentamo-nos num banco em frente ao mar.

                                       Naquela manhã o mar estava manso e encarneirado; soprava uma doce brisa em direção ao Arpoador, agitando os leques verdes das folhas dos coqueiros. O tempo e a luz azulada da manhã que se refletiam na água, parece que excitaram a imaginação da minha amiga, ali sentada ao meu lado.
                                        Ela passou a me contar que, libertada, em virtude da lei de anistia, voltou a dar aulas de história nos cursos médios, na zona sul da cidade, o que lhe rendeu a aposentadoria e agora vive a esperar uma indenização, pleiteada numa ação que se prolonga nas morosas vias judiciais. Discorreu sobre seu passado e eu a ouvia, interessado.
                                        Jamais tive coragem de entrar em questões pessoais mais íntimas da ex-guerrilheira, nem, mesmo, sobre sua prisão e torturas. Ema foi quem puxou pelo fio da memória e passou a relembrar. Às vésperas do golpe que derrubou o governo democraticamente eleito de João Goulart – o Jango – vivia-se uma situação contraditória. De um lado as reivindicações, apoiadas pelas forças populares, intelectuais e boa parte da pequena burguesia, tentavam viabilizar as chamadas reformas de base. Eram reformas - lembrou Ema - que visavam a desobstruir o caminho do desenvolvimento do país que, então se extinguia, ao se completar o ciclo econômico da substituição de importações. As reformas principais pelas quais se lutava então, eram: a reforma agrária, a urbana; a reforma educacional; a tributária, a universitária.
                                     Ema Maria, então, se revelava emocionada e prosseguia no seu discurso. Do outro lado, me dizia ela, tramava-se o golpe militar com a intromissão do governo americano e de seu embaixador que fez ingressar no país centenas de agentes da CIA e até um padre, de nome Payton, que, depois, se soube, nem padre era. Os yanques no auge da crise, desencadeada artificialmente, trouxeram sua esquadra para as costas do mar do Rio de Janeiro, inclusive o porta-aviões Florrestal, na operação Brodher Sam, para assegurar o êxito do golpe que se tramava, operação solicitada pelo próprio Ministro das Relações Exteriores Afonso Arinos. Apesar de ter conhecimento daquilo que ela falava, comprazia-me ouvi-la.
                                  A ex-guerrilheira Sílvia Conde, neste ponto da narrativa, desviou o olhar de mim, lançando-o para um ponto indefinível lá dentro do mar. Com a voz embargada passou a revelar um drama íntimo, vivido nos dias de prisão, onde esteve por mais de dois anos. Era tratada sempre com grosseria e estupidez e, como as outras presas, era visitada, diariamente, por um truculento oficial do exército, chefe daquela prisão feminina. O ódio que ele despertava entre as mulheres era a imenso, me contou Ema. Ela jamais se esqueceu do nome que ele usava, era o Capitão Ribeiro.
                                Ema Maria percebeu, no entanto, que Ribeiro, moreno de porte atlético, feições corretas, tinha, para com ela, um certo olhar de estranha cupidez. Procurava desviar-se dele e com isso provocava sua ira. Ameaças e castigo se seguiam. Remetia-a, então, à sala de torturas, mandava despi-la e se punha a olhar o seu corpo nu. O ódio crescia nela e tomava conta de todo o seu corpo.

Ema continuou a narrar seu drama e me foi dizendo pausadamente:

                                 -- “Num daqueles dias em que me pôs nua, o Capitão Ribeiro caminhou em minha direção e, ao mesmo tempo, em que se despia, ia jogando as peças do uniforme ao chão. Nu, em passos lentos; olhar lascivo, chegou junto e atirou-se sobre mim. Fomos ao chão de pedra úmido e, embora eu resistisse com todas minhas forças, ele me penetrou”.
                “Ah amigo, nunca revelei isto a ninguém: a fêmea que ainda vivia dentro de mim não resistiu. Ali, gozei e foi um orgasmo longo e quase doloroso. Até hoje não sei se a lembrança das torturas que sofri me causam uma amargura maior do que a da fraqueza feminina que se impôs”.
                                    Senti que Ema estava, naquele momento, muito emocionada. Deitou sua cabeça sobre o meu ombro e soluçou baixinho.
                                     O mar, em frente, continuava espalhando a espuma branca sobre a areia e a doce brisa continuava a balançar o leque das folhas dos coqueiros. Nunca mais tocamos no assunto.

Maio-2006.
VHCarmo.



           

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Barcelona: "UMA FESTA ANUNCIADA"...

                                        
                    A partida final do torneio para indicar o campeão do mundo de futebol reuniu o Barcelona e o nosso Santos. Aconteceu muito mais daquilo que se esperava; o time da Catalunha fez mais uma partida notável fato que vai se tornando uma rotina.
                   O jogo não foi uma disputa, foi uma exibição do Barcelona e o Santos foi um espectador privilegiado dentro do campo de jogo. Ao fim da partida o time paulista deveria ter se reunido no centro do gramado e aplaudido o time espanhol, teria feito o mínimo para reconhecer a sua total superioridade e a sua notável atuação.
                    O atual time do Barcelona é, sem dúvida, um dos melhores conjuntos de futebol de todos os tempos. Tem antecedentes no Honved, na Seleção Húngara dos anos 50, na Seleção Holandesa do fim dos anos 70 e na brasileira de 1982.
                     O que é notável no time catalão é a fluência do jogo no qual tem-se a impressão que a bola privilegia os pés dos craques do Barcelona, mas ocorre que a bola se movimenta obediente à sincronia dos movimentos do conjunto. É sobretudo um belo espetáculo de uma plasticidade  dificilmente alcançável.
                     E o Santos? Tentou de tudo e nada conseguiu, pois a bola tinha dono.
                     É claro que um time como aquele não se faz da noite para o dia, mas se a gente quer chegar na Copa do Brasil em condições de ganhá-la ou jogar bem, temos que nos mirar no Barcelona e começar logo a criar um conjunto à imagem daquele.
                       O Barcelona redime o futebol arte; é um time que joga de forma coletiva que provoca pouco contato físico com o adversário, cometendo muito poucas faltas.
                        É gratificante para aqueles que amam o futebol ver jogar o time espanhol.
                        O craque Neymar, de fato um dos melhores do mundo, precisava da bola para jogar, mas ela pertencia ao Barcelona.

VHCarmo.

domingo, 18 de dezembro de 2011

E o meu afilhado ? (conto).

    No livro "Complexo do Alemão & Outros Contos", este escriba, em forma de ficção, conta a história do mendigo Roberto, perambulante no Centro do Rio de Janeiro.  Como, a rigor, não há ficção que não tenha um fundo de verdade, este conto que aí vai, prolonga o anterior e, de certa maneira, o completa.
Olhem só:
                                               A gente da rua.

                               O Comprido estava lá. O meu afilhado já não aparecia fazia tempo. A mulher esquálida que o Roberto Sinzeno apontava sempre como sua companheira, às vezes, aparecia. Eu relutava em perguntar-lhes. Intimidade com mendigo é um negócio difícil. Não por eles, mas pelo preconceito social do qual a gente tem dificuldade de se desvencilhar. Hesitava em perguntar-lhe o que havia com o “meu afilhado”.
                              A mulherzinha mulata que faz, sentada no respirador do Metrô, intermináveis flexões abdominais e parece ter coluna de seda, estava lá todo o dia ao cair da tarde, no mesmo lugar, sobre a grade.         Ora pedia, ora recusava minha esmola. Só me olhava com aqueles olhos compridos e embaçados. Ela também não disse nada; nem me lembro agora se cheguei a perguntar-lhe. Era imperativo perguntar pelo "meu afilhado"; mas me faltava coragem. A última vez que eu o vira estava semimorto, ferido no sobrolho; a boca dilacerada, espumando de cachaça. A catinga, mau cheiro característico, tornara-se mais insuportável, como se isto fosse possível. Perguntei-lhe então:
                    “Você está bem, Roberto? “
                     “Que nada meu padrinho tô fudido. Fiquei uns dez dias, não sei quantos, internado no Souza Aguiar. Levei um tombo; foi a cachaça que me empurrou”. Falou e riu seu sorriso desdentado.
                        "Tá melhor agora?”
                         “Sei lá; já não tenho forças pra pedir esmola, nem apetite pra comer”.
                         “Te cuida Roberto”,
falei e fui andando mais depressa, descendo as escadarias do Metrô.

                           Afinal, passado algum tempo, criei coragem para indagar.
                          O Comprido estendia a mão à beira da calçada, junto da estátua do centenário da Independência. O cheiro de mijo subia-lhe pelo corpo magro e penetrava no meu nariz inflado. Resisti. Saquei uma moeda e, enquanto a punha na mão dele, fiz a pergunta engasgada:
                             “E o Roberto ?".
                             “O seu afilhado?”.
                               "É.. é ...”.
                              “Bêbado, ele tomou um tombo na rua, ali perto da Biblioteca Nacional; bateu com a cabeça no meio-fio e morreu no Hospital Souza Aguiar; foi recolhido e jogado na vala comum no Caju".
          " Este é o nosso destino doutor; da gente que vive nas ruas”.                 Falava e ria.

                              A morte do companheiro de miséria parecia para o Comprido ser coisa corriqueira. Não lhe vi nos olhos, nem na cara macerada qualquer sinal de emoção.
                              “É , meu companheiro, seu afilhado se foi!” ele disse por fim.
                              Até que eu tentei disfarçar a emoção, mas não pude conter algumas lágrimas. O Comprido notou e virou-se pra mim:

                                “Meu amigo, não chore por ele, pode atrapalhar a subida da alma dele pro céu”.

E tornou a rir seu riso sem dentes.



VHCarmo.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Omissão criminosa da mídia ....

                           Em meio à perplexidade que causa às pessoas de boa-fé o fato de a mídia (os jornalões e as revistas dos mesmos grupos) bem como algumas emissoras de TV, se omitirem de noticiar as graves maracutaias que foram as privatizações de empresas públicas no governo FHC – Serra, e sequer comentá-las, este humilde bloguinho transcreve esse sugestivo texto do blog “Balaio do Kotscho” sobre a repercussão do livro “Pirataria tucana” no meio midiático. Ressalte-se no texto o enfoque da questão ora posta ao exame no parlamento, ou seja, a liberdade de expressão e a regulação da comunicação social.

Olhem só:
Liberdade de imprensa: para quê, para quem?

Lançado faz apenas quatro dias, com 15 mil cópias, o livro A Privataria Tucana, do meu colega Amaury Ribeiro Jr., já é o mais vendido do país e está esgotado nas livrarias. O fenômeno editorial só não teve a oportunidade ainda de aparecer nas folhas da grande imprensa.

Como trata dos malfeitos do processo de privatização promovido pelo governo anterior, envolvendo com provas e documentos a fina flor do tucanato, até o momento em que comecei a escrever este texto, no final da tarde de segunda-feira, o livro foi solenemente ignorado.

O estrondoso silêncio contrasta com o barulho das denúncias contra ministros do governo atual, que repercutem imediatamente em todos os veículos, e passam semanas nas capas e manchetes.

Se o livro do Amaury não é bom e não prova nada, que se escreva isso com todas as letras. O que não dá é para fingir que o livro, resultado de mais de dez anos de pesquisas do repórter, não existe, é um fantasma criado pela blogosfera desvairada.

Meu amigo Nirlando Beirão, colega de trabalho aqui no R7 e no Jornal da Record News, já comentou o assunto em seu blog hoje e no telejornal com o Heródoto Barbeiro, na sexta-feira.

Volto o ao tema apenas para fazer as perguntas aí do título, que já repeti mil vezes e ninguém me responde. É para isso que defendem a liberdade de imprensa com tanto fervor e chamam de censura qualquer tentativa de se regulamentar a área de comunicação social?

Trata-se do exemplo mais descarado de manipulação da informação e do tratamento seletivo das denúncias do "jornalismo investigativo" da velha imprensa.

Para quê e para quem, afinal, serve esta liberdade de imprensa pela qual todos nós lutamos durante os tempos da ditadura, que eles apoiaram, e hoje é propriedade privada de meia dúzia de barões da mídia que decidem o que devemos ou não saber?

As respostas, por favor, podem ser enviadas aqui para a área de comentários do Balaio.

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Observação deste humilde blogueiro:
                    Enquanto um jornalista como Amaury Ribeiro Jr., muitas vezes premiado, que escreve, não uma simples denúncia, mas um livro no qual apresenta fatos apoiados em vasta documentação, a mídia tem levantado suspeição contra ministros do governo, políticos do PT e da base aliada com base em denúncias de bandidos e criminosos, processados por desvios de dinheiro, aos quais confere, logo, credibilidade sem maiores cuidados investigatórios. As tais chamadas “suspeições” são objeto de martelamento de manchetes diárias nos jornais e Tvs.   Alcançados os objetivos, somem do noticiário e sequer noticiam o prosseguimento da investigação e seus resultados, sem cogitar da possível inocência do denunciado e o princípio da presunção de inocência. .

Silêncio protetor dos mafiosos Serra e caterva, será por quê?

VHCarmo.

A Globo e as novelas pornô...

                                   A rede globo de televisão se esmera em contradições. Se, a um tempo, pretende com suas mensagens de fim de ano suscitar emoções, congraçamentos familiares e altruísmos, por outro lado choca a sensibilidade das pessoas com suas novelas-pornô, exibidas num horário nobre, com o agravante de estarmos, atualmente, em pleno horário de verão.
                                   Longe deste escriba o moralismo preconceituoso. A gente tem ciência que os costumes permitem alguma extensão em razão mesmo dos tempos modernosos em que vivemos.
                                  O que choca, no entanto são as imagens, os diálogos e a exposição de cenas de sexo, erotismo e homossexualismo, este último exibido de forma caricata e grosseira, com nítido sentido de ridicularizar a opção sexual, numa época em que tanto se combate a homofobia. Personagens exibindo taras sexuais de todos os tipos, misturados com a violência, vão se tornando habituais nas novelas globais.
                                  Num mesmo capítulo, exibido nesta quinta-feira (15/12) na novela Fina Estampa, as cenas grosseiras de sexo, claras e insinuadas se repetiram por quatro vezes, num evidente exagero, sem contar 5 beijos prolongados. Um dos personagens ao fim do beijo – destes que ninguém exibe em público – revela que o cronometrou e ele teria durado cinco minutos.
                                  A grosseria com que é tratado o tema do  homossexualismo nesta novela das oito, atualmente em exibição, revela-se simplesmente um caso para ensejar um exame dos motivos ocultos que movem os autores e a emissora.          Um dos personagens (um serviçal da casa-mãe) se exibe em gestos e modos ridículos, assessorando uma mulher (personagem) portadora de taras sexuais, exibidas clara ou sob lençóis, tudo sob a atividade mafiosa de investigação de um casal homossexual feminino em busca de motivos para chantagens.
                                A atual novela das oito, como um todo, é um desfile de violência, crime,  maucaratismo, grosseria sexual e nenhuma mensagem ética.        Cabe, ainda, ressaltar a sua exibição explícita da violência contra a mulher perpetrada, seguidamente, por um homem violento que, afinal, se descobre que é mais um homossexual no infindável rosário novelesco.
                                   Entre taras e violência, nos intervalos comerciais da novela pornô, lá vem o apelo sentimental da plêiade de artistas globais para o “o novo dia e o futuro que já começou... a festa é nossa”, tudo um clima natalino e de fim de ano muito emotivo!.

A sociedade e as famílias (muitas delas cristãs) restam sem defesa contra tanta agressão aos costumes.
VHCarmo.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Censura e o "direito de ver e saber"...


                                    Esse humilde bloguinho faz repetir um texto que já postou aqui e que em seu entendimento, se tornou atual, quando se questiona o “direito de ver e saber”,censurado pelas empresas detentoras do quase monopólio da informação no Brasil. As editorias dos grandes jornais e revistas censuram a publicação de matérias que possam estar em desacordo com sua pregação que encarna, sem dúvida, um movimento de oposição política, nem sempre leal e muitas vezes atingindo a esfera criminal e golpista.
                                       Olhem só, abaixo, essas notícias que foram sonegadas ao público pela grande imprensa:
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                   A transposição das águas do Rio São Francisco.

                                    A transposição das águas do São Francisco para 390 municípios do Sertão e do Agreste dos Estados da Paraíba, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte é um sonho que vinha desde o Império. Sempre foi tido como uma forma de redenção daquela região atingida periodicamente pela seca. A seca, por sua vez, alimentou as oligarquias nordestinas dos coronéis sem alma que a usavam para submeter as populações pobres, com poços, açudes ( que secavam) e frentes de trabalho, prolongando o domínio eleitoral e a miséria.
                                Por toda a República a transposição alinhou inimigos ferrenhos que sempre de tudo fizeram para preservar sua dominação e o atraso.
                                 Quando o Governo Lula resolveu encarar o desafio, recrudesceram as oposições ao projeto, já então, com o auxílio da mídia. Vencida a resistência inicial, quando foi necessário usar a engenharia do Exército, a obra foi iniciada. Aí, então, outro tipo de resistência apareceu, alinhando razões técnicas que, embora de pouca valia, teve alguma repercussão. A mais importante seria a alegação de que a água retirada iria secar o São Francisco que, primeiro dever-se-ia recuperá-lo. Argumento cediço uma vez que a água a ser retirada iria para a foz a poucos quilômetros e nada impedia a obra de recuperação simultânea que já estava e está em andamento. Motivos religiosos explorados pelos inimigos do projeto, chegaram a sensibilizar algumas pessoas e levaram um bispo mal informado a fazer greve de fome cuja repercussão foi frustrante, para ele e para a mídia que a propagou, talvez como o último cartucho da guerra contrário à transposição.
                                     Passado esse período e continuando a obra, tratou-se de omitir notícias sobre a mesma. Tem sido como algo inexistente, mesmo quando a obra já vislumbra a sua conclusão para o ano vindouro e 2012.
                                    Talvez, como sua última viagem como presidente, Lula foi inspecionar as obras da Integração do Rio São Francisco às bacias hidrográficas do nordeste setentrional. O projeto, como se sabe, vai garantir água a 12 milhões de nordestinos daqueles municípios.
                                   O Presidente afirmou “O que nós estamos fazendo é justiça social. Eu vim fazer aqui na Paraíba a minha última viagem até o fim do meu mandato e fiz questão, porque esta obra é fundamental para os nordestinos”. Lula disse que, em definitivo, toda a obra será concluída em 2012 e a prioridade será a produtividade da agricultura familiar e das pequenas cooperativas. Disse mais em tom emocionado: “ transposição é um das paixões da minha vida”.
                                    Os lotes 7 e 14 do Eixo Norte da obra é considerada a redenção para os quatro Estados. Lula visitou a obra do lote 14 e o túnel Cuncas I, maior túnel para transporte de água da América Latina, com cerca de 15 quilômetros de extensão, percorrendo os Municípios de Mauriti (CE), Barro (CE), Monte Horebe (PB) e São José de Piranhas (PB). No lote 7 estão sendo construídos 13,5 km de canais, 3 barragens, um aqueduto e a base de uma pequena hidrelétrica, percorrendo os municípios de São Jose de Piranhas e Cajazeiras, na Paraíba, desaguando no Reservatório de Engenheiro Ávidos (esta parte concluída agora em 2011). Além disso, as obras de integração criaram milhares de emprego integrando a população no consumo.
                                       Hoje, passada a campanha eleitoral, a gente pode avaliar porque a população nordestina votou em peso na Dilma. Ela, sem dúvida, representa a garantia do prosseguimento dessa magnífica obra que e é orgulho para todos os brasileiros e resgata o nosso querido nordeste tão abandonado pelos governos anteriores e tão explorado pela classe dominante cruel dos coronéis (felizmente em processo de extinção).
                                    O que dói é sentir que muitos de nossos patrícios se deixaram enredar pelos inimigos do povo; por aqueles que desprezam os nossos irmãos nordestinos e tentaram, irresponsavelmente, pregar a odiosa idéia separatista.
O nordeste com a sua multifacetada cultura é o Brasil numa das suas maiores e melhores  expressões.

VHCarmo.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Um momento de poesia....



Chico Mendes

Quem é que consegue dormir

com esse assassino rondando a pátria?

Só os ponteiros do relógio,

que em horas como 3 e 15,

4 e 20 e 5 para as 11,

o ponteiro de cima deita sobre o de baixo

no sexo anal-anual-secular dos relógios.

Quem é que consegue dormir

sabendo que o homem está marcado

numerado na conta mortal do latifúndio?

Lá fora premiado,

aqui, alvejado, e sua morte

comemorada com um churrasco.

Sua causa era a dos seringueiros

mas seu corpo não era de borracha.

E o mundo segue:

o trem fazendo piuí

o Brasil Piauí

e nós psiiii... Silêncio de hospital!


Não era um rio

não era um rei

era um exemplo.

Um sonho previsto

no manual de instrução

para gente e árvore.

Pena que não exista verde depois da morte

para o morto lutar pelo verde que já morreu!
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Do jovem poeta Ricardo do Carmo
de seu recente livro “Amor de Consumo”.



VHCarmo.




domingo, 11 de dezembro de 2011

Um conto de um grande escritor...

                                             AS CIDADES E O DESEJO
                                                          (Ítalo Calvino).
                                  Da cidade de Doroteia, pode-se falar de duas maneiras: dizer que quatro torres de alumínio erguem-se de duas muralhas flanqueando sete portas com pontes levadiças que transpõem o fosso cuja água verde alimenta quatro canais que atravessam a cidade e a dividem em nove bairros, cada qual com trezentas casas e setecentas chaminés; e, levando-se em conta que as moças núbeis de um bairro se casam com jovens dos outros bairros e que as suas famílias trocam as mercadorias exclusivas que possuem: bergamotas, ovas de esturjão, astrolábios, ametistas, fazer cálculos a partir desses dados até obter todas as informações a respeito da cidade no passado no presente no futuro; ou então dizer, como fez o cameleiro que me conduziu até ali: “Cheguei aqui na minha juventude, uma manhã; muita gente caminhava rapidamente pelas ruas em direção ao mercado, as mulheres tinham lindos dentes e olhavam nos olhos, três soldados tocavam clarim num palco, em todos os lugares ali em torno rodas giravam e desfraldavam-se escritas coloridas. Antes disso, não conhecia nada além do deserto e das trilhas das caravanas. Aquela manhã em Doroteia senti que não havia bem que não pudesse esperar da vida. Nos anos seguintes meus olhos voltaram a contemplar as extensões do deserto e as trilhas das caravanas; mas agora sei que esta é apenas uma das muitas estradas que naquela manhã se abriram para mim em Doroteia”.
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VHCarmo.

sábado, 10 de dezembro de 2011

O nordeste e o futuro do Brasil...

                                      O NORDESTE E O FUTURO DO BRASIL.
                           A Revista Carta Capital da semana passada (07.12), trouxe uma série de textos sob o título: Especial Nordeste. Essa série de textos noticia o que vem acontecendo no nordeste em todos os setores e coloca ênfase no progresso e na mudança de enfoque da região em relação ao restante do país.
                          O que acontece no nordeste com o avanço exponencial propiciado pela instalação e modernização da infraestrutura e na inclusão de sua população, até então marginalizada, no esforço de superação é, deveras, entusiasmante. Embora as obras se estendam por todo o território nordestino, os Estados do Ceará, Pernambuco e Sergipe, lideram o crescimento com a instalação e modernização de portos, estradas de ferro, refinarias, siderúrgicas, novas fábricas, construção civil e a transposição do Rio São Francisco. Os programas sociais que proporcionaram melhor distribuição da renda, por sua vez, fizeram mudar o cenário de toda a região.
                         Outrora, pólo de emigração para o sudeste, o nordeste traz de volta os nordestinos emigrados e brasileiros do sul, atraídos pelas amplas possibilidades de emprego e renda.
                        A série de reportagens da Revista que focaliza os vários aspectos do crescimento da região nordeste merece ser visitada, principalmente porque é uma oportunidade única, tendo em vista que as Revistas e os Jornalões que detém parte essencial da comunicação omitem sistematicamente qualquer notícia favorável ao governo federal e aos estados que desenvolvem essa verdadeira cruzada civilizatória em benefício da população nordestina até então esquecida e entregue às oligarquias mais atrasadas do pais.
                         Para citar um importante ganho para o país com as obras que estão sendo realizadas, ressalta a integração da infraestrutura de transportes que irá alterar o paralelo do desenvolvimento nacional, com a ligação da Ferrovia Transnordestina (com inauguração prevista para 2013) com os portos de Pacém no Ceará e Suape em Pernambuco. A Transnordestina, com uma extensão de l,7 mil quilômetros, vai se ligar a Ferrovia Norte-Sul e a esses portos que se preparam para receber navios maiores e uma carga da região será levada à China em 45 dias. As obras das ferrovias e da infraestrutura, incluídos a refinaria e o pólo siderúrgico, empregam mais de 30 mil trabalhadores de todas as categorias e impulsionam o progresso da região, integrando sua população e dinamizando a produção agrícola.
                           As consequências desse crescimento são altamente favoráveis às populações nordestinas, como um todo, que vêm emergindo da pobreza e se constituem no maior contingente de pessoas que subiram para classe média nos governos do PT e seus aliados.
                         A caminhada do país para alcançar, em breve, a posição de quinta economia do mundo, passa necessariamente pelo nordeste, região promissora e que possui, atualmente, reservas e vantagens comparativas maiores para o desenvolvimento do país e que tem a maior participação proporcional na formação do PIB do Brasil.
                         Este escriba sugere, mais uma vez, àqueles que lhe dão a honra de visitar o seu humilde bloguinho que não percam a oportunidade de ler os textos mencionados e aquilatar como tantas informações nos são sonegadas pela dita grande imprensa.
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VHCarmo.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Um momento de poesia...

    Geração Paissandu.
Paulo Henrique Brito.

Vim, como todo mundo,
do quarto escuro da infância,
mundo de coisas e ânsias indecifráveis,
 de só desejo e repulsa.
Cresci com a pressa de sempre.

Fui jovem com a sede de todos,
em tempo de seco fascismo.
Por isso não tive pátria, só discos.
Amei, como todos pensam.
Troquei carícias cegas nos cinemas,
li todos os livros, acreditei
em quase tudo pelo menos um minuto,
provei do que pintou, adolesci.

Vi tudo que vi, entendi como pude.
Depois, como de direito,
endureci. Agora a minha boca
não arde tanto de sede.
As minhas mãos é que coçam -
vontade de destilar
depressa,  antes que esfrie,
esse caldo morno de vida.

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Esta linda poesia, como se vê, reflete a perplexidade de uma geração que, quando jovem, foi sufocada pela ausência de liberdade. São, caracteristicamente, versos dos "anos de chumbo" que  o poeta arranca de sua alma, de sua desesperança e de sua aguda sensibilidade. Por que não dizê-lo? torna-se um brado de advertência para os jovens de hoje.
VHCarmo.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Mais uma vez: desmoralizar a política e os políticos...tática da direita.

   O texto que este escriba transcreve abaixo é sugestivo, pois analisa, de forma exemplar, o jogo da direita quando lhe falta o voto e é tolhida pela permanência das regras democráticas que propiciem o avanço dos direitos e da inclusão social das populações mais pobres.
Não é atoa que o discurso dessa direita, hoje no Brasil, é pautado pela imprensa golpista, visando, como no passado, desmoralizar a política e os políticos e, sub-repticiamente, pregar soluções autoritárias com rompimento da legalidade.
É esta, repita-se, uma análise competente de eminente cientista político e, ainda mais, que focaliza com extrema propriedade o problema da corrupção e a mídia no contexto dessa espécie de golpismo.

Olhem só:

Política no Brasil
Roberto Amaral
Cientista Político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia.
06.12.2011 13:09

A vitória da direita: a pós-política.

O grande projeto da direita, impressa ou partidária, ideológica ou simplesmente financeira, é a destruição das instituições democráticas, mediante a desmoralização da política. O segundo e último momento é o esvaziamento da soberania popular, como já ocorre na Europa. Daí o ataque aos políticos, uniformemente apontados, ora como incompetentes, ora, caso brasileiro, como corruptos. Todos sabemos como começa esse cantochão, e todos sabemos como termina, aqui e em todo o mundo: na Alemanha, construiu o nazismo; na Itália, o fascismo; a Grécia dos anos 60 terminou na ditadura dos coronéis (1967-1974). E paro por aqui, para que a listagem não fique enfadonha, com o exemplo brasileiro de 1964, lembrando a campanha da UDN contra a ‘corrupção’ do governo João Goulart, assoalhando o desfile militar. Aliás, sem qualquer originalidade, pois assim fôra construído o golpe de 24 de agosto de 1954, que culminou no suicídio de Vargas.

Como a História não se repete, a estratégia, agora, não é mais operar mediante ditaduras impopulares (a não ser no Oriente), mas exercer o mando direto, pela associação das grandes multinacionais, que já respondem por mais de 50% do PIB mundial, e o sistema financeiro. A banca, que já governa a economia em todo o mundo, resolveu agora ela mesma dirigir os países nos quais seus interesses (leia-se a hiperacumulação financeira especulativa) possam estar ameaçados. O experimento se inicia, de forma descarada, na Grécia e na Itália.

A Europa, diz-nos o insuspeitíssimo Mário Soares, um dos responsáveis pelo desfalecimento da saudosa Revolução dos Cravos, “está entregue aos especuladores”. E, nessa Europa, alguns países (como Alemanha e França) são mais europeus que outros, como Espanha e Portugal, realmente governados pela troika FMI-BCE-Comissão Europeia, da qual a dupla Merkel-Sarkozy é simples pombo-correio.

À Espanha e a Portugal ainda é permitido escolher seus dirigentes, dentre aqueles que se revelem mais competentes e mais dóceis para aplicar as ordens da dupla. Noutros países, os políticos são responsabilizados pelos crimes da banca financeira e para governá-los são chamados os tecnocratas que engendraram a crise: são chamados pela troika e por ela indicados. Sem o menor respeito à soberania popular, e desrespeitando mesmo suas classes dominantes, que sequer foram ouvidas.

As modificações nos governos da Grécia e da Itália — esqueçamos por um momento os personagens medíocres, principalmente o burlesco Berlusconi — configuram um assalto à democracia, à soberania e à política.

O ex-primeiro ministro Papandreou foi ameaçado de crucificação por haver pretendido consultar suas vítimas, o povo grego, sobre a adoção arrocho exigido pelos tecnocratas para a ‘ajuda’ à Grécia, a qual, por seu turno e pelo mesmo motivo, esteve à beira da expulsão da Comunidade Europeia. Assim ficamos sabendo que Papandreou foi penalizado não pelos erros de sua administração desastrada, mas por haver proposto a realização de um plebiscito, um dos mais festejados institutos da democracia.

Isso irritou os democratas Merkel e Sarkozy, com os olhos voltados para seus respectivos sistemas financeiros. Um dia após receber voto de confiança do parlamento grego, Papandreou renunciou para, ainda por exigência da banca internacional, ser substituído por um tecnocrata, Lucas Papademos, egresso do MIT (EUA), que assume com a missão de compor um gabinete ‘técnico’. Fora com os políticos! Na Grécia, na Itália e em todo o mundo, o mal da política é a política. A demissão do ridículo e corrupto Berlusconi — que deveria estar na cadeia, tantos são seus crimes — não se deu por decisão judicial, ou, como deve ser no parlamentarismo, por consequência de um voto de desconfiança. Mas sim pelas mãos do anônimo presidente da Itália cumprindo ordens, de novo, do casal Merkel-Sarkozy, locutores da vontade da banca. Assim foi nomeado o tecnocrata Mário Monti (egresso da Universidade de Chicago), nada mais nada menos do que ex-presidente do Goldman Sachs, o famoso gigante do mercado, com o compromisso de compor o gabinete com outros tecnocratas. Aliás, a intervenção, desta feita, não se fez ‘intra-muros’. Dias antes, o mesmo Goldman Sachs emitira uma ‘nota à imprensa’, na qual, se lia: “Um governo técnico [na Itália] teria maior credibilidade na comparação com outros executivos”. Assim, sem um voto, instala-se a ‘democracia de mercado’, que, em comum a todas as ditaduras, militares ou tecnocráticas, cultiva o sentimento de desapreço ao chamamento da cidadania.

É a pós-política, ou a democracia sem voto.

É o réquiem da União Europeia, e o fim da discurseira que falava nos valores da sociedade ocidental, dentre eles destacando-se a democracia, em nome da qual foram mortos milhões de europeus, argelinos, sírios, líbios, servos, croatas, paquistaneses, indianos, vietnamitas, africanos, afegãos…

Como todo gato escaldado deve temer água fria, seria aconselhável que nossos analistas começassem a dirigir seus olhares para a cena brasileira e fixar-se na campanha unânime que a grande imprensa, não podendo atacar os fundamentos da política econômica do governo de centro-esquerda da presidente Dilma, desenvolve contra a vida política brasileira, tentando fazer com que a cidadania brasileira se convença de que o mal de nosso país não é a desigualdade social da qual ela é servidora, mas a corrupção, da qual é beneficiária (isso não é dito) a classe dominante. Neste país estranho, os que não pagam impostos (os ricos) é que reclamam do apetite da Receita, enquanto os sindicatos silenciam quando deveriam estar nas ruas exigindo taxação progressiva; os jornalões se arvoram em defensores da liberdade de expressão quando foram associados e beneficiários da última ditadura.

A direita impressa quer fazer crer que todos os políticos brasileiros são iguais, isto é, corruptos, donde não haver saída pela política. Foi assim que a direita brasileira criou, em 1964, as condições subjetivas para o golpe militar, o qual, em seu primeiro momento, teve respaldo na sociedade brasileira, principalmente junto à classe-média que naquele então influía mais do que agora na formação do que se chama opinião pública. É construindo a ideia de que o processo representativo não resolve os problemas do país, que os políticos chegam ao poder apenas para realizar suas ‘revoluções’ pessoais, e de que o mal da democracia são os partidos, que a direita constrói o desalento coletivo, tentando fazer com que as grandes massas deixem de ver na democracia a grande alternativa, e na força do voto o poder de mudanças.

A corrupção em nosso país não é maior nem menor do que em qualquer outro país, e nunca foi combatida como está sendo, e não é nem uma deformação da democracia nem da política, porque ao lado do corrupto passivo há sempre um corruptor, que é sempre empresário.

Não é irrelevante (porque, aliás, é inédito) o fato de, em seus onze primeiros meses de governo, sete de seus ministros haverem sido demitidos pela imprensa, seis deles sob acusações de corrupção, ora não comprovadas, ora silenciadas quando o objetivo é alcançado. Os jornais que trazem o pedido de demissão do ministro do Trabalho já anunciam ‘suspeitas’ sobre outro auxiliar imediato da presidente, o honradíssimo ministro Fernando Pimentel.

No caso mais recente, a Comissão de Ética da Presidência, no meu entender exorbitando de sua competência, pede, publicamente, a demissão de um ministro, esvaziando a presidente da República do direito exclusivo de nomear e demitir seus auxiliares, um dos mandatos do sistema presidencialista que vivemos.

Para evitar novos transtornos, na tal reforma ministerial que a imprensa noticia diariamente como forma de exigência, terá antes a presidente de consultar as quatro famílias que monopolizam a informação no Brasil? Além disso, deverá consultar Febraban, FIESP e CNI?

Extraído da Revista Carta Capital.

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VHCarmo,

sábado, 3 de dezembro de 2011

Um momento de poesia...

Para o meu perdão.
Adelmar Tavares.

Eu que proclamo odiar-te, eu que proclamo
querer-te mal com fúria e com rancor,
mal sabes  tu como, em segredo, te amo
o vulto pensativo e sofredor.

Quem vê o fel que em cólera derramo,
no ódio que punge desesperador,
mal sabe que, se a sós me econtro, chamo
por teu amor com o mais profundo ardor...

Mal sabes que se acaso, novamente,
buscasses o calor do velho ninho
de onde um capricho te fizera ausente,

eu, esquecendo a tua ingratidão,
juncaria de rosas o caminho
em que voltasses para o meu perdão...
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VHCarmo.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Os "BRIC" somos nós....

                         Até quando a gente vai suportar os agourentos, cultivadores do vira-latimo e dos “especialistas” de plantão? Nem a confissão indireta que induz a presença da chefona do FMI em Brasília para solicitar ajuda para o antigo “mundo desenvolvido”, ora em queda livre, convence essa gente comprometida com o atraso e a pobreza.   A importância do país lhes incomoda.
                            O inventor do termo BRIC (ora BRICS), no entanto se rende à importância do Brasil emergente que aqueles pobres diabos só sabem menosprezar.
                              Olhem só:
Uma operação de marketing de Jim O’Neill, presidente do Goldman Sachs Asset Management o mesmo economista que, num estudo de 2001, criou o acrônimo BRIC.

Vejam o que ele diz no Valor desta quinta-feira:

Dez anos de novos Bric para o mundo…

Ao olharmos para o futuro, nos próximos dez anos, os quatro países provavelmente verão desaceleração em seus índices de crescimento, mas sua participação no PIB mundial quase certamente aumentará. A China parece encaminhada a crescer de 7% a 8%, já que terá de enfrentar vários desafios, mas a Índia pode ter aceleração e por fim atingir taxas de crescimento no estilo chinês, especialmente se persistir em seu recém-descoberto zelo por reformas, como a importante decisão de dar boas vindas ao controle majoritário estrangeiro em empresas do setor de varejo. Em poucos anos, o PIB nominal combinado dos quatro países superará tanto o dos Estados Unidos como o da Europa. …

Com base em seu provável crescimento, a segunda parte de meu relatório de 2001 argumentava que os Bric precisavam assumir papel mais central na formulação mundial de políticas econômicas. Eles continuaram excluídos por muitos anos, o que os levou a promover seus encontros políticos conjuntos anuais. Na verdade, foi necessária uma crise total como a de 2008, para os países avançados finalmente perceberem a importância central dos Bric para a economia mundial moderna, sendo que a decisão de colocar o G-20 no centro da formulação política global foi basicamente uma iniciativa para incluir os Bric. Em 2001, argumentei que cada um dos Bric deveria juntar-se aos EUA, Japão, região do euro e talvez Canadá e Reino Unido para formar algum novo “G”, talvez um G-9 ou um novo G-7, se Reino Unido e Canadá ficassem excluídos. …

Enquanto isso, à medida que os países do Bric continuem a ver sua sorte melhorar, proporcionarão mais e mais oportunidades para que o resto de nós aprimore seus padrões de vida e prosperidade. De fato, para que o mundo continue crescendo frente aos desafios que se apresentam a muitas economias desenvolvidas, precisamos da argamassa econômica dos Bric, algo que, por sorte, eles têm de sobra.
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Reflexão deste humilde bloguinho:
             Este texto leva a gente a pensar, também, na  oposição política no Brasil e sua atual situação e militância. O seu recurso único, atualmente, tem sido se pautar na mídia desregulada, embora isto desfigure a sua missão institucional. Por outro lado, a persistência em se deixar conduzir lhe tem custado muito caro, afastando-a das fontes políticas principais do regime democrático: o povo e suas organizações sociais e de trabalho e empresariais. Há um visível desmantelamento dos partidos de oposição por falta de opções programáticas.
                  Não há dúvida, em resumo, que o sucesso das políticas do governo (particularmente na economia) esvaziam a virulência dos ataques midiáticos, enfraquecendo, por conseqüência, o discurso da oposição desfigurada.

VHCarmo.