quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Algo mais é um conto...

                                Amigos, depois daquela apresentação do Caviloso na TV Globo, nada para amenizar um pouco a sua triste figura senão  com a estorinha ficcional, inocente,  que aí vai, ambientada na minha querida terrinha, Palma-MG.
                                                    O apelido
                                                      - conto-
A mulher do Juca, a Nenem, era brava e conhecida na Freguesia de Santa Rita da Meia-Pataca pelo se gênio estourado e pelo cortado que trazia o seu companheiro. Branca, de compleição forte , melhor dizendo: gorda e alta; contrastava com a magreza e a leveza do marido. Ele era moço, moreno narigudo, porém de feições agradáveis; amava o ócio e as aventuras amorosas. Era conhecido naquela Vila como o galanteador das damas, alcunha `que lhe pespegara o seu amigo de bar, o Agostinho Gotoso, pela lábia que ele usava em suas conquistas.
Apesar do rigor caseiro que lhe impunha a gorda Nenem, o Juca era assíduo freqüentador do Mato Dentro, lugar onde moravam e laboravam as raparigas dadas a assim chamada “vida fácil”. Algumas delas eram putas exclusivas dos fazendeiros e chefes políticos do lugar que as sustentavam e ninguém se atrevia a abordá-las, pois os seus “donos” poderosos eram temidos. As demais que não gozavam daquele privilégio eram disputadas pela rapaziada. A moçada que frequentava o lugar sabia com quem podia se meter. O Juca ia jogar a víspora na casa das raparigas e andava de “namoro” com a Nilzinha. Era uma mulata clara, alta, de corpo bem feito e de feições finas. O maroto largava pelo meio seu expediente na repartição e, em pleno dia o seu cavalo baio era visto amarrado no tronco em frente ao rancho da “namorada”. Dizia-se, à boca pequena, que ela era filha do pároco, padre Benedeto, tido na roda do Mato Dentro como amante da mãe dela, a Sá Clara que , já velha, dedicava-se à caftinagem. O padre negava a paternidade, mas era voz geral e por isso a Nilzinha escapara do assédio dos fazendeiros e políticos, que não queriam criar problema com o digno representante da Igreja. Os maledicentes daquele lugar, dito profano, diziam que o sacerdote era ainda visto, pelas madrugadas, saindo do rancho da Sá Clara. Os homens da Liga Católica e as beatas da Irmandade do Coração de Jesus não admitiam falar sobre o assunto.
A Neném não desconfiava do “namoro” do Juca, embora ele não tivesse lá maiores cuidados de evitar ser visto no Mato Dentro. Ele se misturava à rapaziada mais jovem e ali permanecia pela noite. Rolava dança, uma cervejinha e lá iam até altas horas. Ele se fiava no sono profundo da mulher que se deitava com as galinhas. Passado algum tempo, todo mundo na Freguesia sabia do caso do Juca, menos a Neném. Não tardou muito, porém, foram lhe contar. Afirmava-se que fora o próprio padre Benedeto que arrumou um jeito de fazer a notícia chegar à gorda Neném: “desejava melhor sorte à filha”, diziam. O Juca além de casado era, para o pároco, um grande pilantra. O padre alimentava o sonho de tirar a Nilzinha daquela vida e, quem sabe, casá-la com um fazendeiro. Claro que era tudo ilação porquanto o padre negava, peremptoriamente, a paternidade.
Ao saber do novo caso, ao invés de explodir, como era de seu feitio, a Neném se conteve. -“Ia pegar o malandro do Juca”, a seu modo. Numa bela noite em que o marido descuidado se demorava, a mulher deitou-se mas procurou não dormir, tarefa facilitada pela raiva que lhe invadia. Queria ver a hora que o malandro do Juca ia chegar . Rolava na cama o seu corpo gordo e permanecia acordada. O relógio-carrilhão na sala de jantar já entoara as badaladas sonoras da meia-noite. Neném já ia cochilando quando sentiu a porta da sala se abrir; despertou. Era o sedutor que chegava. De repente mulher sentiu que o Juca parou na sala de jantar. Como ele, por sua vez, não ouviu o costumeiro ronco da gorda, percebeu que ela estava acordada. O carrilhão naquele momento mesmo badalou duas vezes, duas da madrugada; o Juca assustado emendou mais dez badalas: bem, bem, bem..., esforçando-se para imitar o relógio. A Neném sacudindo o seu corpanzil saltou lépida da cama e num impulso correu para a sala e fez valer os seus punhos. Nem conversou: –“ Bém, Bém, não é seu malandro?” e meteu-lhe o braço. O boêmio livrou-se como pôde das pancadas fortes da mulher, implorando para ela não gritar; -“ Olha os vizinhos! ...bradava. O pilantra foi dormir com as orelhas pegando fogo.
Foi a própria Neném que, ingenuamente, se encarregou de contar às amigas o ocorrido. Daí, embora pedisse segredo, a coisa se espalhou por toda a Vila, como era de se esperar.
O Juca passou a ser conhecido na Freguesia da Meia-Pataca como o Juca Bem Bem, apelido que acabou assumindo, para evitar atritos com os conterrâneos e parceiros das noitadas. A mulher, coitada, pagando por sua língua comprida passou a ser conhecida e a ser chamada de Dona Neném Bem Bem. O Bem, Bem, colou-se, até, aos nomes da família do Juca e, os dois meninos, filhos do casal, eram chamados na Freguesia de Santa Rita : os Bem, Bem.
Passados alguns anos, poucas pessoas na Freguesia sabiam, e muitos não sabem até hoje, a origem do apelido que a família acabou adotando como nome próprio.
O Juca, envelhecido, acomodou-se e foi viver com a Nilzinha, para desgosto do velho pároco padre Benedeto, porém, a companheira se recusou a assumir o apelido.

(Conto extraído do livro “Memórias da Vila do Capivara).

VHCarmo.

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