Vale a
pena ler o texto abaixo que demonstra a verdadeira balbúrdia em que o STF se
meteu ao julgar com açodamento a Ação Penal 470, o chamado mensalão. Para se realizar paralelamente às eleições,
para fins políticos e coincidir com as suas fases importantes: primeiro e segundo turnos,
o Tribunal excedeu-se em
passar por cima da legislação penal, dos princípios gerais do direito e
do respeito à pessoa dos acusados. A
presunção de inocência foi substituída pela presunção de culpa.
Ressalte-se
que a dosimetria das penas, em operação adiada, se tornou uma tarefa confusa e embaralhada, onde se
pretende um " ajuste final" que fica para depois. Será para o fim do
mundo?
Olhem só:
O destino do “in dubio pro reo”
Alvo de televisionamento,
contendo o envolvimento de figuras proeminentes do mundo político, financeiro e
publicitário. Colocado como um julgamento do comportamento ético de um partido
político e dos seus governos. Posto como teste da imparcialidade do STF, pois a
maioria dos seus integrantes foi nomeada pelos dois últimos governos.
Envolvendo a sedimentada ideia de que no país as classes privilegiadas não são
punidas.
O julgamento do chamado mensalão,
com tudo isso, deixará marcas profundas no comportamento dos que operam o
direito, como nos tribunais inferiores, e no próprio (in)consciente coletivo.
Assim, certos aspectos de maior repercussão podem ser apontados, sem embargo de
outros e dos efeitos do julgamento que só o futuro mostrará.
Para alguns ministros, nos crimes
de difícil comprovação, o juiz não precisa de provas cabais, bastando indícios
ou até a sua percepção pessoal para proferir uma condenação.
Em outras palavras, permite-se
que o magistrado julgue por ouvir dizer, com base na verdade tida como sabida,
mas não provada. Estará assim, na verdade, julgando com os sentidos e não com
as provas.
É da tradição do direito penal
dos povos civilizados a necessidade da certeza para uma condenação. Caso o juiz
não tenha a convicção plena da responsabilidade do acusado, deverá absolve-lo.
Trata-se do consagrado “in dubio pro reo” -na dúvida, absolve-se. Mais do que
jurídica, essa máxima atende ao anseio natural de liberdade e de justiça. Não é
justo punir-se com dúvida.
Alguns ministros, porém, pregaram
a responsabilidade objetiva, com desprezo ao comportamento e à vontade do
acusado.
Autoria criminal implica em um
comportamento comissivo ou omissivo e na vontade dirigida à prática criminosa.
Exemplificando para explicar: a condição pessoal, digamos, do dirigente de uma
empresa, por si só, não o torna culpado por crimes cometidos em prol de tal
empresa.
Utilizou-se a teoria já antiga do
domínio do fato para justificar punições incabíveis. No entanto, ao contrário
do propalado, essa teoria exige justamente que o autor vincule-se ao crime pela
ação e pela vontade de agir criminosamente.
Alguns pronunciamentos trouxeram
preocupante imprecisão ao conceito de lavagem de dinheiro. Consiste na conduta
utilizada para emprestar aparente licitude ao produto de um crime, ocultando e
dissimulando a sua origem. Há a necessidade de uma ação concreta, diversa do
crime anterior.
No entanto, alguns julgadores, de
forma imprecisa, parecem querer considerar lavagem a mera utilização do produto
do outro delito.
Usar o dinheiro sem a simulação
de sua origem não é lavagem, mas natural decorrência do crime patrimonial.
Considerar o mero uso como outra figura penal é admitir crime sem conduta
própria e permitir dupla punição a só uma ação.
A sociedade não ficou inerte e
nem apática. Reagiu ao julgamento, em regra aplaudindo condenações e criticando
absolvições. Conclui-se que a expectativa é pela culpa e não pela inocência.
Isso é fruto da disseminação de uma cultura punitiva, de intolerância raivosa e
vingativa, que tomou conta da nossa sociedade, fazendo-a apenas clamar por
punição, sem pensar em prevenir o crime, combater suas causas.
Não pode passar sem registro um
outro aspecto extraído ou confirmado pelo julgamento do mensalão: o poder da
mídia para capturar a vaidade humana e torná-la sua refém.
Nesse sentido, um alerta: todos
nós, integrantes da cena judiciária, deveremos administrar as nossas vaidades,
para que ela não se sobreponha às responsabilidades que temos para com o seu
principal protagonista, o cidadão jurisdicionado.
ANTONIO CLÁUDIO MARIZ DE
OLIVEIRA, 67, é advogado criminalista. Foi presidente da OAB-SP (1987-1990) e
defende Ayanna Tenório no julgamento do mensalão ( o do PT).
_____________________________________________________ VHCarmo.
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