quarta-feira, 2 de março de 2011

Poema da Praça amada.

                                Este pequeno poema foi feito quando ainda não  cicatrizara no peito da gente a ferida deixada pela longa noite da ditadura militar. Na Cinelândia, coração da minha querida cidade do Rio de Janeiro, urdiram revolta e sonhos de liberdade.     Sem consciência, ou não, havia, então, um unânime desejo de ver no fim do túnel uma luz e sair daquela escuridão tão longa.  Ali havia começado a violência  com o assassinato de um  inocente mendigo que dormitava, num banco, em frente ao Clube Militar.  Aquele pobre  homem (anônimo)  teria sido uma das primeiras das milhares de vítimas da ditadura que se instalava.
                                   Os meus modestos versos resultaram, então, nesta mistura de tristeza e alegria; de protesto e esperança.   Mexendo papeis velhos me deparei com esse poema que transcrevo aqui respeitando integralmente a sua feitura original.

                             Perdoem-me a ousadia.

A cinelândia.
(A praça amada)

Ouvi falar na praça da felicidade,
da angústia do povo sofrido, ouvi,
Da ânsia de chegar ao topo do mundo,
senti.

Rodeado do lupem
respiro o acre da pobreza.
Verbero uma praxis incerta,
incompreensível dialética.

Na praça os rostos são duros,
os sonhos voláteis

Alguém teoriza o amor e as rosas.

Não sei
se plantadas no asfalto florescem idéias.
Creio na seiva do povo da praça.

Nas calçadas,
nos desvãos com cheiro de mijo.
nos trapos dos meninos famintos,
nos abrigos frios do “aterro”

amo esta turba feia,

com o fedor de suas feridas
com o sonho de sua negritude
com o amargo de seu cotidiano

canto o meu hino de fé.

ouvem os surdos das sarjetas,
as putas sem nome.
riem dele os mendigos desdentados.

Meio a idéias e revoltas
a revoluções e reformas
na praça gente fala e esbraveja
num estranho uníssono canto.

Ali pariu a história.

Na praça alguém tombou morto
era o início da “longa noite”.

Na praça raiou luminoso o dia
no grito da gente
e da liberdade,
“ainda que tardia”.

VHCarmo. – Julho de 1985.


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