quarta-feira, 3 de março de 2010

O poeta Drumond.

Meditação do poeta Drumond.

               Naquele calçadão que parece sempre tão novo em listras ondulantes já desfilaram os revoltosos de 1922 que habitavam o Forte insurgente de Copacabana. Tenentes armados de fuzis e coragem, contestando governos, buscando novos caminhos. O “Tenentismo” liberal apoiado pela Escola Militar do Realengo inicia ali a fazer história. Os ainda jovens Eduardo Gomes, Siqueira Campos, Newton Prado e outros passaram garbosos pisando as listras da calçada até serem derrotados pelo General Potiguara que a história quase esquece.

              Gente de todas as raças, cores e credos, passando desde muito tempo, a olhar o mar quase sempre manso, beijando as pedras do Arpoador, num vai e vem constante. Aquelas pedras da calçada são as mesmas que se deixaram e se deixam pisar por pés felizes e infelizes, portadores de gente comum e de poderosos; de mulheres belas e feias; de meninos e meninas que sobre elas dormiram e dormem sonos tóxicos, alheios ao futuro de que não cogitam. Pisam-nas os mansos, os estressados do cotidiano e os contadores de histórias.

               Calçada, calçadão onde passeiam as prostitutas nas noites breves, escancarando o corpo seminu e os esgares de seus rostos pintados em exagero, a mercadejar o sexo.

               Hoje habita ali também um poeta; com um ar meditativo, incompreensivelmente sentado de costas para o mar que amou. Inerme, inerte e sem a inspiração que o gerou, o poeta se volta para os que passam. Todo vestido de bronze ouve a todos paciente e a alguns poucos convida para sentar ao lado e cochichar poesias inaudíveis, fazer confidências improváveis, receber carinho e tapas amistosos.

               Pelas madrugadas, tanto nas noites de estrelas e luas em que seu bronze se veste de sua poesia, como nas chuvas mansas e nas tempestades imerso na solidão, o poeta projeta sua figura metálica na impassível contemplação do mundo que o deixou.

                O versejador de bronze parece gostar da conversa dos loucos, de todos os gêneros, pois “de poeta e louco todos têm um pouco”. Talvez quem sabe, nas madrugadas, ele se levante daquele banco duro, onde o sentaram incomodamente de pernas cruzadas, e caminhe pela calçada ondeada, abraçado aos seus doidos e a cortejar as putas: por pura poesia.

                 Quando brilha o sol e a praia se inunda de gente, o pobre poeta parece esquecido e quem, ao seu lado senta, apenas descansa e talvez nem saiba que ali está aquele que cantou a vida e amou a natureza e o seu “mar de longo”.

                  Alhures, do outro lado do mesmo oceano, ao curso do Tejo, outro poeta -- que a língua portuguesa exaltou -- senta-se também em bronze à mesa de um bar. Dois destinos de poesia; dois cantos da “última flor do Lácio inculta e bela” que ecoam pelos tempos afora.

                  Caminhante do calçadão, pisa de leve as pedras ondeadas do poeta; se puder: beija-lhe as faces bronzeadas e deixa-o em paz na companhia das madrugadas e no longo silêncio de seu meditar poético. Relembra a caminhada dos heróis tenentes que buscaram a partir dali, daquela listras no calçadão, o caminho que, ao fim, resultou no descaminho do Estado Novo. O destino em tortas linhas substituiu a força das armas pelo poder imortal da poesia.
                                                                    VHC.

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