quarta-feira, 15 de agosto de 2012

UM CONTO (É ALGO MAIS no bloguinh.

                       UMA ESTRANHA ESTÓRIA DE AVIÃO.
                                          ( conto)

Meu tio Nastácio, cujo nome inteiro, que ele não gosta muito de lembrar, é Anastácio Varela da Silva. Ele anda dizendo que eu só conto estória de mendigos. Ainda outro dia, em pleno Restaurante Árabe, na Travessa dos Poetas de Rua onde nas sextas-feiras, ao fim da tarde, vamos tomar alguma bebidinha, comer uns quibes e conversar fiado, ele me veio com essa conversa: 
- vê lá meu caro, não diga que me vai repetir uma daquelas estórias de mendigos? Bem me lembro aquela do cara que dormia ao pé da estátua da Cinelândia cheio de cachaça e morreu num tombo; a outra do mendigo que lia um caderno em Copacabana ou daquela que o cara queria ficar doido; não, meu sobrinho, de mendigo chega. Conta outra.

Eu lhe disse então:
- Tio Nastácio, eu não invento nada; tudo é estória verdadeira. Não nego que procuro enredar aquilo que lhe narro, para não ficar monótono e se tornar mais palatável, mas creia nunca fugi da realidade inteiramente. Embora sempre caiba uma ficçãozinha!

Meu tio fez uma cara de quem não ficara convencido com a minha explicação. Mas, vá lá! Àquela altura me pareceram irrelevantes as suas palavras, ainda mais que era justamente de um mendigo que lhe ia contar a estória.

- É velho, é mais uma de mendigo!

O tio, aguçado pela curiosidade foi curto:
- Vai! conta mais essa. Depois, vê se inventa outras.

O Gaúcho, não posso definir como outra coisa, é o clássico mendigo da Zona Sul da Cidade do Rio. Se há uma diferença com outros companheiros é que ele é branco (bem alvo) e tem olhos azuis. No mais é igual. Maltrapilho, fedorento, arrastando velhas sandálias, sempre com uma garrafinha de cachaça e um tanto enigmático. Para ser exato: ele tem um raio de caminhada – ia dizendo de ação – fica entre dois quarterões da Praia de Ipanema, entre as ruas Garcia Dávila e Maria Quitéria. O Gaúcho tem nome e teve família. Seu nome é Marcio Pereira de Carvalho. Sua família vive entre Florianópolis e Curitiba. Ele nasceu em Santa Catarina. O Gaúcho tornou-se meu confidente por acaso. Confesso que não tenho lá muito jeito para me aproximar de mendigos, mas o Gaúcho me abordava sempre quando por ele eu passava no meu passeio matinal.
- Ô piloto, o avião caiu com 154 passageiros!

- onde Gaúcho?

- no aeroporto em Brasília.

Ora tio Nastácio, você sabe que eu nunca fui piloto, mal consegui parar de ter medo de andar de avião e considero isto uma vitória pessoal importante. Não foi por falta de falar ao Gaúcho que eu não sou piloto. Desisti e aceitei como se fora um apelido. Daí pra frente uma moedinha na mão dele e uma história de avião acidentado. Vida que segue.
Hoje em dia não posso passar ao largo e a ele despercebido: me chama aos berros: “O piloto!”, Ô Piloto”!. Eu não tenho outro jeito e vou até ele.

- Tio, faço-lhe  uma confissão; eu fiquei gostando do jeito do gaúcho e achei que ele deveria ter uma “estória” para contar sobre aquilo que o teria feito se jogar na mendicância.
A primeira foi a mais indiscreta das perguntas:

- Márcio, você já me disse o seu nome, agora me diga você tem família, mulher, filhos?

Estávamos sentados então, lado a lado, num banco da praia no Posto nove. O cheiro de cachaça e a sujeira de seus trapos eram até suportáveis. A minha curiosidade parece que superou tudo. Pela primeira vez ele não me falou de acidente de aviação. Com o rosto barbado entre as mãos sujas,os olhos azuis acesos e molhados, fitou-me balançando a cabeça. Juro que naquele momento me arrependi de ter-lhe feito à pergunta. O Gaúcho se ajeitou no banco, depositou na calçada o frasco amarelo de cachaça:
- Sou como todo mundo Piloto, tive mulher e duas filhas. As meninas – Lígia e Lindaura – ficaram com a mãe em Londrina. A mulher, meu Piloto, aquela desgraçada, me corneou; nem digo o nome dela. Quando eu soube que ela andava com um amigo meu, me pus na estrada. Andei a pé de Londrina a Curitiba, dias e noites caminhando. Eu hoje sei que as minhas filhas, já mocinhas, andaram me procurando e eu m escondi delas envergonhado. Para encurtar a conversa meu Piloto, sumi no mundo. A cachaça foi sempre a minha grande aliada. Descobri que morar na rua não é lá tão difícil. Alguém me dá roupa; outros me dão dinheiro pra cachaça e restos de comida dos restaurantes. Não preciso mais do que isto. Já convenci àqueles que me querem levar para abrigo público que pra lá não vou.

-- De repente, meu tio Nastácio, o Gaúcho voltou a falar de acidentes de avião. Mas eu insisti:

- conta mais sobre suas filha seu Márcio?

- oh Piloto, me doe lembrar delas. Um dia, faz agora dois anos mais ou menos, elas vieram juntas me procurar aqui. Estava eu, num dia de verão, curtindo meu sono alcoólico, bem ali debaixo na sombra daquela amendoeira - e apontou pra lá - elas me apareceram. Tão bonitas Piloto! Fiquei aturdido. Elas me abraçaram – um tanto contrafeitas – apesar do meu estado. Todas duas bem vestidas, cheirosas - ele falava e ria ao se lembrar - e bonitas mesmo, repetia. Olha, fizeram tudo para me levar e me tirar da mendicância. Confesso que cheguei a ter dúvidas. Olhei de relance a minha garrafinha de cachaça pousada na calçada, a beleza daquele dia e lembrei, - por que não dizer? – a amargura da traição. Disse não às minhas filhas.  Piloto, não me arrependo e elas compreenderam. Nunca mais me procuraram. - Como elas estavam bonitas!
- Olha, soube da última Piloto? - Caiu um avião com 154 passageiros em Brasília é da Varig!.

. VHCarmo -  Agosto de 2012.













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