O julgamento da Ação Penal 470 e seus
desdobramentos levaram a consciência jurídica do país a uma verdadeira
perplexidade. Condenações sem a devida
observância dos preceitos constitucionais e legais, motivadas por uma clara
indução política promovida pela mídia, instala insegurança jurídica institucional.
Em constantes, reiterados e
inusitados pronunciamentos alguns Ministros do STF se intitulam, sem qualquer
cerimônia, portadores de poderes que lhes colocam acima da lei e da Constituição.
Pronunciamentos carregados de afirmações de cunho autoritário, como bem alude o
ex-ministro Roberto Amaral no texto abaixo.
Neste bloguinho já se vinha
alertando sobre o perigoso caminho trilhado pelo STF, auto promovendo-se como
um poder incontrastável oponível aos demais poderes da República.
São de pasmar as afirmações
do Ministro presidente da Corte (como se verá baixo). Se tais afirmações não foram feitas sob
forte pressão midiática e em transe de sua vaidade incontida, denunciam uma falta grave em relação ao seu conhecimento dos mecanismos
institucionais, do direito e do equilíbrio e
autonomia dos poderes da República. A gente prefere a primeira hipótese.
Olhem só:
Julgamento do
"mensalão"
27.12.2012
Cuidado: pode ser o
ovo da serpente.
“O direito de defesa vem sendo arrastado pela
vaga repressiva que embala a sociedade brasileira. À sombra da legítima
expectativa de responsabilização, viceja um sentimento de desprezo por
garantias fundamentais.”
Márcio Thomaz Bastos.
“Nós entregamos aos nossos juízes –
individualmente considerados— e aos tribunais, mais poder do que eles
precisam para exercer suas funções.”
Sérgio
Sérvulo
O
ministro Joaquim Barbosa declara em sua entrevista de final de ano — a primeira
de seu recém iniciado mandato, que não há Poder após o Judiciário (e,
aparentemente, nem antes…) e que suas decisões são inapeláveis. Esqueceu-se de dizer, porém, que isso
não as livra, as decisões, de corrigenda, quando se trata de matéria
criminal. É o caso da anistia (C.F. arts. 21, XVII e 48, VIII), e é o
caso do indulto e da comutação da pena pelo presidente da República (C.F. art.
84, IX). E não é só, pois o ministro Joaquim Barbosa e seus colegas
não estão acima do bem e do mal, eis que podem ser processados, julgados e
condenados pelo Senado nos crimes de responsabilidade (C.F. art.
52, II). Podem, até, perder a toga.
Também os poderes do STF são susceptíveis
de revisão. O Congresso Nacional pode emendar a Constituição (o que, aliás, tem
feito com excessiva desenvoltura) e nela, até, alterar os poderes tanto dele
próprio quanto do Executivo e do Judiciário. E pode ainda, o Congresso,
legislar na contramão de um julgado do STF, e, assim, torná-lo sem
consequência. Os poderes do Judiciário (como os do Legislativo e do Executivo),
não derivam, na democracia, da ordem divina que paira, autoritária, sobre os
Estados teocráticos, ou da ordem terrena das ditaduras. Atrás dos nossos
Poderes, não está um texto de dicção divina, ou um texto datilografado
por um escriba do tipo Francisco Campos ou Gama e Silva, mas um texto derivado
de uma Assembleia, esta sim um Poder, o único, acima dos demais. Foi exatamente
este Poder que, armado da força constituinte oriunda da soberania
popular, ditou-lhe, ao STF, existência e a competência.
Não
obstante, o Supremo brasileiro se atribui hoje o poder de dizer a primeira e a
última palavra. O modelo é a Corte dos EUA, mas, se esta tem a ‘última palavra’
do ponto de vista jurídico, ela a pronuncia dentro dos estritos parâmetros que
lhe são fixados pelo poder político, na legislação judiciária. Na Alemanha, na
Espanha, em Portugal – adverte o jurista Sérgio Sérvulo – a suprema corte não
tem regimento interno: o exercício de sua atividade é pautado em lei, e, com
isso, se estabelece seu vínculo umbilical com o poder político.
Pouco entendendo de direito (convido o
leitor a levantar os nomes dos dez últimos presidentes da Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara Federal), e, talvez por isso, votando ao
STF um temor reverencial, nosso Congresso fica de cócoras ante o Judiciário,
aprovando tudo o que se lhe pede (inclusive aumentos salariais): excrescências
como as súmulas vinculantes e repercussões gerais, contra as quais tanto se
bateu Evandro Lins e Silva.
De
outra parte, esse mesmo Supremo deixou de exercer sua principal função – o
controle difuso de constitucionalidade – liberando com isso as mãos dos
tribunais e juízes ao arbítrio.
Não
trago à discussão tema irrelevante, uma vez que (e dessa verdade muitos se
descuidam) as consequências das decisões do STF, de especial nos julgamentos
criminais, dizem respeito a todos os cidadãos, e não só aos julgados e
condenados. Daí, para
horror do pensamento autoritário, a sucessão de instâncias julgadoras e a
sequência de recursos e apelações e agravos, que sugerem impunidade, mas que
simplesmente atendem à necessidade de assegurar a todos ampla defesa. Na democracia só se condena com provas.
É que essas precauções inexistem no caso
do STF, pois ele age, no mesmo julgamento, como primeiro e último grau, como
promotor e juiz, e suas decisões constroem jurisprudência a ser observada
por todos as demais instâncias. Assim, por exemplo, se, em uma
determinada ação criminal, o desconsiderar a presunção de inocência
(transformada em “presunção de culpabilidade”), estará condenando todos os
acusados de todos os processos vindouros a provar a própria inocência, e não a
simplesmente refutar a acusação; se em um determinado caso, o STF considerar
dispensável a prova material para caracterizar a culpabilidade de determinado
réu, estará dispensando a prova em todos os demais julgamentos..
Uma
coisa, desejada, aplaudida, é a sadia expectativa de punição dos chamados
‘crimes de colarinho branco’; outra é a degeneração autoritária do direito
criminal.
As
decisões do STF, seja no caso da Ação Penal 470 decretando perda de
mandato de parlamentares (competência privativa da respectiva Casa legislativa,
C. F. art. 55), seja, à mesma época, intervindo na organização da pauta
do Congresso mediante decisão monocrática em ordem liminar, assustam o
pensamento democrático, que, cioso da importância da separação dos Poderes,
reage ao papel de moloch autoritário
que a direita quer emprestar ao Poder Judiciário brasileiro. Um
dos mais perigosos movimentos desse autoritarismo que começa a quebrar a casca
do ovo em que foi gerado, é a judicialização da política, a qual,
se atende à fome voraz do Judiciário, é também acepipe que sai do forno
dos partidos e do Congresso, seja pela omissão desse, seja pelo vício
anti-republicano das oposições, das atuais e das anteriores (PT à frente) de
recorrerem ao Judiciário, para a solução de impasses que não souberam resolver
no leito natural da política.
De outra parte, a omissão legiferante do
Congresso abriu lacunas legais ou criou impasses que foram levados ao
Judiciário que, assim, ‘legislou’ e legislou (não discuto o mérito), por
exemplo, no julgamento das cotas para negros nas universidades, na
descriminalização do aborto de fetos anencéfalos e na legalização da união
civil entre homossexuais. E legislou, então à larga, o STF sancionando decisões
do TSE, que se auto-incumbiu de fazer a reforma política que o Legislativo
postergou. Esse mesmo TSE se especializou em cassar mandatos.
No fundo a questão é esta: não há vazio de
poder.
Na
mesma entrevista citada no início deste artigo, o presidente do STF condena as
promoções de juízes por merecimento, pois isso, diz ele, enseja a
comprometedora corrida dos interessados atrás de apoios políticos. É verdade,
mas não é a verdade toda, posto que não se aplica, apenas, à primeira
instância. Em grau muitas vezes mais grave o ‘beija mão’ tem matriz na nomeação
dos ministros dos tribunais superiores, principalmente do STF, com os
candidatos em ciranda pelos vãos e desvãos do Executivo e do Senado à
procura de apoios trocados por promessas de favores futuros.
Pede
a democracia um Congresso revigorado, talvez o da próxima Legislatura –
apto para realizar as reformas de que o Brasil necessita e uma delas é a
reforma do Judiciário, livre da vitaliciedade monárquica, obrigado a trabalhar
onze meses por ano, sujeito ao controle externo, como todos os demais Poderes
republicanos.
Roberto Amaral.
Roberto Amaral.
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Nova foto do blog: Forte de santa Catarina (1568) em Cabedelo-PB.
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