quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A JUSTIÇA ESPETÁCULO....

                    O renomado filósofo francês Dany-Robert Dufour em seu livro "L`Individu  qui vient ... aprés le liberalisme" (Ed. Denoël), produz uma profunda reflexão sobre o advento de uma nova fase da civilização ocidental vis a vis daquilo que ele encara como uma ruptura em curso do neoliberalismo que operou, em parte, a desconstrução do chamado "Estado do bem-estar social" iniciado no pós guerra.

Ao fim de sua obra o filósofo desfila (em anexo) 33 proposições em que tenta indicar o caminho a seguir para promover o novo indivíduo, libertado sobretudo do império daquilo que ele denomina o "Divino mercado", o desprezo da liberdade individual pressionada pela paixão do consumo em prejuízo do "Logus".

Na sua reflexão número 23 do anexo, o grande pensador francês aborda aquilo que se tornou também uma marca do neoliberalismo, ou seja, a invasão de um sentido (pulsão) de valorização mercadológica dos produtos culturais  incluindo a Justiça que se tornou espetáculo, divorciando-se de seu princípio republicano.

Prega o  filósofo:  (que é necessário):

"Reconsiderar a tendência atual das democracias de passar de uma Justiça voltada "ao nome do povo" a uma Justiça dita "reparadora" ou "restauradora", visando primacialmente satisfazer o acusador ou a vítima.   Impõe-se voltar a uma noção de Justiça, rejeitando-se toda a idea de vingança passional privada (particular), abrindo o caminho a diferentes formas de reabilitação da condição de vítima e ainda em verdade fundar sob o regulamento dos litígios por um terço (tiers) imparcial representado pela instituição judiciária, somente investida do direito de punir em nome do povo. Mas, para lutar contra a Justiça Espetáculo que se faz atualmente; também se torna necessário retornar a uma verdadeira Justiça Republicana, por meios que nos faltam culturamente nos dias de hoje". (Obra citada, pg.369).

Em que pese a um tom meio descrente da proposição, impõe observar que  o escritor vai ao âmago da questão, qual seja,  a contaminação dos julgamentos judiciais pelo imperativo da informação e a sua sujeição à pressão midiática, ao sabor de tendências econômicas e políticas.    

Em resumo: prega o retorno à uma Justiça Republicana, com a venda a cingir os olhos da deusa, simbolismo tantas vezes esquecido em nossos tribunais.

A espetacularização do julgamento da Ação Penal 470 no nosso contaminado Supremo Tribunal Federal  levou-o a ser alvo de contundentes críticas de todos setores dos operadores do Direito aqui e no exterior e mesmo daqueles que de modo isento tomaram conhecimento das irregularidades - para não dizer ilegalidades - ocorridas.  Não à toa  esse julgamento  passou a ser caracterizado como de "exceção" e "político".

Recorre-se, afinal, ao cronista  sabidamente independente, Vladimir Safatle, em sua crônica "Rumos Tortos" na Folha de São Paulo para ressaltar o "republicanismo" a moda STF brasileiro, em que se prioriza o Partido dos Trabalhadores para colocá-lo no pelourinho preferencial, importando pouco se culpado ou não.

Todos  os processos  envolvendo poderosos e partidos da oposição repousam no colo dos Ministros a espera da confortável cama da prescrição da punibilidade.
Referindo-se aos malfeitos do PSDB: olhem só:

Tomado por certa paralisia e horror, é como se nosso presidente do Supremo não pudesse tocar no processo, deixando-o adormecer durante meses, anos, até que os porões do Palácio da Justiça lacrem tudo com o devido silêncio do esquecimento redentor (a prescrição).
 (Nota: J. Barbosa era o relator, ora substituído e não há data para julgá-lo).

Algo semelhante ocorre com um dos mais impressionantes escândalos de corrupção do Brasil recente, o que envolve o metrô paulistano. O mesmo metrô que se expande na velocidade de um carro subindo a rodovia dos Imigrantes em dia de volta de feriado com chuva.

Empresas multinacionais julgadas em tribunais suíços e franceses, pedidos de informação vindos da Justiça suíça e inacreditavelmente "esquecidos" por procuradores brasileiros, denúncias feitas por funcionários das empresas envolvidas citando nominalmente toda a cúpula dos tucanos bandeirantes que vão à imprensa apenas para encenar sua indignação por seus anos de dedicação franciscana à política serem jogados no lixo: nada, mas absolutamente nada disso foi capaz de abrir uma reles CPI.

Para encerrar, volta-se ao sonho do filósofo Dufour:
          
                 "...faut-til redonner à une veritable justice republicaine..."
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VHCarmo.

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