O renomado filósofo francês
Dany-Robert Dufour em seu livro "L`Individu qui vient ... aprés le liberalisme" (Ed.
Denoël), produz uma profunda reflexão sobre o advento de uma nova fase da
civilização ocidental vis a vis daquilo que ele encara como uma ruptura em
curso do neoliberalismo que operou, em parte, a desconstrução do chamado "Estado
do bem-estar social" iniciado no pós guerra.
Ao fim de sua obra o filósofo
desfila (em anexo) 33 proposições em que tenta indicar o caminho a seguir para
promover o novo indivíduo, libertado sobretudo do império daquilo que ele
denomina o "Divino mercado", o desprezo da liberdade individual
pressionada pela paixão do consumo em prejuízo do "Logus".
Na sua reflexão número
23 do anexo, o grande pensador francês aborda aquilo que se tornou também uma
marca do neoliberalismo, ou seja, a invasão de um sentido (pulsão) de
valorização mercadológica dos produtos culturais incluindo a Justiça que se tornou espetáculo,
divorciando-se de seu princípio republicano.
Prega o filósofo:
(que é necessário):
"Reconsiderar a
tendência atual das democracias de passar de uma Justiça voltada "ao nome
do povo" a uma Justiça dita "reparadora" ou
"restauradora", visando primacialmente satisfazer o acusador ou a
vítima. Impõe-se voltar a uma noção de
Justiça, rejeitando-se toda a idea de vingança passional privada (particular),
abrindo o caminho a diferentes formas de reabilitação da condição de vítima e
ainda em verdade fundar sob o regulamento dos litígios por um terço (tiers)
imparcial representado pela instituição judiciária, somente investida do direito
de punir em nome do povo. Mas, para lutar contra a Justiça Espetáculo que se
faz atualmente; também se torna necessário retornar a uma verdadeira Justiça
Republicana, por meios que nos faltam culturamente nos dias de hoje". (Obra
citada, pg.369).
Em que pese a um tom
meio descrente da proposição, impõe observar que o escritor vai ao âmago da questão, qual seja,
a contaminação dos julgamentos judiciais
pelo imperativo da informação e a sua sujeição à pressão midiática, ao sabor de
tendências econômicas e políticas.
Em
resumo: prega o retorno à uma Justiça Republicana, com a venda a cingir os olhos da deusa, simbolismo
tantas vezes esquecido em nossos tribunais.
A espetacularização do
julgamento da Ação Penal 470 no nosso contaminado Supremo Tribunal Federal levou-o a ser alvo de contundentes críticas de
todos setores dos operadores do Direito aqui e no exterior e mesmo daqueles que
de modo isento tomaram conhecimento das irregularidades - para não dizer
ilegalidades - ocorridas. Não à toa esse julgamento passou a ser caracterizado como de
"exceção" e "político".
Recorre-se, afinal, ao
cronista sabidamente independente, Vladimir
Safatle, em sua crônica "Rumos Tortos" na Folha de São Paulo para
ressaltar o "republicanismo" a moda STF brasileiro, em que se
prioriza o Partido dos Trabalhadores para colocá-lo no pelourinho preferencial,
importando pouco se culpado ou não.
Todos os processos
envolvendo poderosos e partidos da oposição repousam no colo dos Ministros
a espera da confortável cama da prescrição da punibilidade.
Referindo-se aos
malfeitos do PSDB: olhem só:
Tomado
por certa paralisia e horror, é como se nosso presidente do Supremo não pudesse
tocar no processo, deixando-o adormecer durante meses, anos, até que os porões
do Palácio da Justiça lacrem tudo com o devido silêncio do esquecimento
redentor (a prescrição).
(Nota: J. Barbosa era o relator, ora
substituído e não há data para julgá-lo).
Algo semelhante ocorre com um dos mais impressionantes
escândalos de corrupção do Brasil recente, o que envolve o metrô paulistano. O
mesmo metrô que se expande na velocidade de um carro subindo a rodovia dos
Imigrantes em dia de volta de feriado com chuva.
Empresas
multinacionais julgadas em tribunais suíços e franceses, pedidos de informação
vindos da Justiça suíça e inacreditavelmente "esquecidos" por
procuradores brasileiros, denúncias feitas por funcionários das empresas
envolvidas citando nominalmente toda a cúpula dos tucanos bandeirantes que vão
à imprensa apenas para encenar sua indignação por seus anos de dedicação
franciscana à política serem jogados no lixo: nada, mas absolutamente nada
disso foi capaz de abrir uma reles CPI.
Para encerrar, volta-se
ao sonho do filósofo Dufour:
"...faut-til
redonner à une veritable justice republicaine..."
________________________________________
VHCarmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário