quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O sonho do ouro de aluvião não passou de um sonho na Vila do Capivara...

                                 O sonho do ouro.
                                                  (conto)
( Texto ficcional baseado em fatos reais).

- Se foi o Genésio quem falou não dá pra acreditar, sentenciou o Zé Gomes, freqüentador mais do que assíduo do Bar do Benedito que, já naquela hora da manhã, se movia pela cachaça.
De fato, pouca gente na Vila do Capivara acreditou quando o Genésio Almeida, o varapau mulato esquentado, de olhos esbugalhados, cabelos curtos avermelhados e “meio maluco”, saiu dizendo pela Rua de Baixo que o Seu Plínio Freitas descobrira “uma mina de ouro” na sua Fazenda da Praia.
                          Até o próprio Plínio, quando soube do boato espalhado, saiu a desmentir na mesma Rua de Baixo e fez questão de entrar no Bar do Benedito coisa que não fazia habitualmente, para dizer que era tudo mentira.
                         Apesar dos desmentidos, parece que o Genésio descobrira mesmo alguma coisa. Ele podia ser meio maluco, mas não ia inventar uma coisa daquelas. O interessante, no caso, é que o varapau revelou mais e disse, ali bem na porta do Bar para quem quisesse ouvir, que o Plínio Freitas tinha contratado gente lá em Silveira Carvalho, Cachoeira Alegre e em Muriaé para escavacar a vargem. Na sua linguagem explicava que o ouro ficava nos buracos feitos na vargem, na margem do Ribeirão da Praia. Ele se referia, naturalmente, ao ouro de aluvião, retirado dos cascalhos e areias bateados com a água corrente.
                         Acabou que uma incontinência de outro fazendeiro, o Chico da Lavra, veio a confirmar as palavras do Genésio. Na Lavra também já se fizera, às escondidas, alguns “buracos”, a procura do metal precioso. O mistério não se sustentou mais, pois os fazendeiros das imediações da Fazenda da Praia, da Lavra e do Bananal, inclusive o único médico da Vila, Dr. Aristeu, que tinha ali uma propriedade a beira de um pequeno curso d’água, movidos pelas notícias da descoberta, se lançaram a explorar a vargem e trazer gente de fora para o serviço, abandonando a plantação do arroz que era ali cultivado com relevante produtividade e descurando-se até do trato do gado.
                               Soube-se, depois, que o Plínio Freitas fora levado àquela exploração após ter lido uma antiga narrativa que revelava a passagem por aquela região, no século XIX, no início do Império, de um explorador francês a caminho dos Campos dos Cataguazes, que teria encontrado algum ouro nas pequenas correntes de água daquela várzea, habitada pelos puris.
                                  O instrumental para batear o cascalho veio chegando, vindo do vizinho Estado do Rio, ou pelos trens da Leopoldina Railway, da capital. Vinham bateias metálicas e de cerâmica, escorredores com berços de madeira e ferro, forrados de mantas de flanela, lã ou veludo, para escoamento do material e retenção do pó aurífero; enxadas, enxadões e pequenas bombas manuais de sucção para esvaziar a água dos buracos.
                                  A Vila, afinal, rendeu-se à novidade, para a satisfação do pioneiro da notícia, o varapau do Genésio, que disso se gabava na Rua de Baixo, caçoando daqueles que  não acreditaram nele, incluído o eterno cachaça Zé Gomes que não arredava pé da porta do Bar do Benedito.
                                  A chegada do contingente de trabalhadores atraído para a extração do ouro fez aumentar o consumo e ativar o comércio da Vila do Capivara, quebrando a sua paz e  monotonia antes reinantes. O povo se sentia bem; a sua Vila se movimentava como nunca.
                                 Dois casarões abandonados na Rua de Cima, originários da cultura cafeeira - já então em processo  de extinção-  foram ocupados pelos homens recrutados nas vilas vizinhas. Eles saiam dali pela madrugada, indo para as vargens e retornavam ao anoitecer, aos magotes com as enxadas às costas. Aqueles casarões da Rua de Cima fervilham daqueles homens rudes que ali mesmo cozinhavam, comiam, dormiam e, de resto, se acomodavam naqueles cômodos amplos, sem móveis e em condições precárias de higiene. Duas “casinhas" lá no quintal imenso, em declive, serviam-lhes de banheiro.
                                     Nas noites, alumiadas pelas lamparinas de querosene e nos descansos dominicais os homens sequer saiam daquele ambiente e se punham a cantar e a dançar ao som de sanfonas e canções langorosas, expressão saudosa daqueles que estão longe da família e dos leitos conjugais.
                                      E o ouro foi aparecendo, embora em pequenas quantidades; um pouco era para muitos e um pouco mais para alguns dos fazendeiros. Como soe acontecer, a renda gerada inicialmente na Vila, incrementou o comércio e os pequenos negócios e a população rapidamente aumentou. No romântico bairro do Mato Dentro as meninas da "vida livre" aumentaram seu faturamento e as danças e folguedos noturnos dos boêmios – e alguns fazendeiros - prolongavam-se pelas madrugadas. Havia até tertúlias poéticas
                                        Um mistério nunca desvendado foi a exata e real quantidade do metal precioso que se retirou das vargens do Capivara e os verdadeiros beneficiados. Os fazendeiros escondiam. Plínio Freitas foi o único que teve coragem de mostrar algo. Ele morava junto ao topo da Ladeira e as janelas de sua casa davam para o pequeno largo adjacente à escadaria da Matriz de São Francisco de Assis. Num belo dia, sobre uma toalha branca, cobrindo os beirais de uma das janelas,  Plínio colocou duas garrafas de pó e pepitas de ouro, cheias até o gargalo, a brilhar ao sol. Permaneceram ali por toda manhã.  Foram vistas, praticamente, pela maior parte dos moradores da Vila. Foi uma extrema exibição de vaidade do pioneiro e o único testemunho vicual do metal extraído.                    Não demorou, porém, a correr um boato na Rua de Baixo: o Plínio perdera toda aquela fortuna, em Itaperuna, no jogo, seu conhecido vício. Nuca se soube se este boato era verdadeiro ou um despiste imaginado por ele próprio para evitar pedidos de ajuda. 
                             Outro que deu sinais de riqueza foi o médico Dr. Aristeu, que passou a desfilar na Vila em uma “baratinha” Ford novinha,  de capota removível e deixou de atender aos pacientes para cuidar da fazenda e da extração.
                                       O tempo passou e foi o Genésio Almeida, conhecido por sua quase doideira, quem alertara para o princípio, veio então a anunciar o fim do sonho do ouro. No mesmo Bar do Benedito  revelou, alto e bom som para seu seleto público, que os fazendeiros iam desistir da busca do ouro. O metal precioso era pouco e não pagava a pena continuar a furar mais buracos, afirmava.  Mesmo tendo acertado quando anunciara a descoberta do ouro, muita gente não acreditou na nova notícia do Varapau sobre o fim do sonho.   Recusavam-se a aceitar que aquele tempo de bonança, de renda e bons negócios, estaria se acabanado. Mas era verdade.         Após o Plínio Freitas, os outros fazendeiros foram desativando o sonho de riqueza.
                                    Aos poucos os dois casarões da Rua de Cima, foram se esvaziando. Não se ouviam mais as canções tristes nas noites escuras. Os homens rudes retornaram aos seus lares longínquos.
                                    Uma visão da larga faixa de vargem que margeava o Ribeirão da Praia, àquela altura, era assustadora. A vegetação de mangue fora removida para a colheita do cascalho e da areia auríferos, cavando-se um número incontável de buracos imensos, parecendo feitos à esmo, sem um prévio exame de viabilidade de êxito. Escorredores e seus berços de flanela, de veludo e de lã, se espalhavam pelas margens, obedecendo, apenas, a uma precária divisão das propriedades que ali, apesar de tudo, se confundiam.  Havia até bateias abandonadas, atiradas ao brejo.
                                 Afinal, daquela imensa empreitada resultaram poucos ganhos e muitas dívidas nos bancos.        Mais tarde, contava-se na Vila, que alguns fazendeiros tiveram que vender suas propriedades e outros as hipotecaram na rede bancária. Permanece, até hoje,  impenetrável silêncio sobre esta parte.
Daquela aventura só houve notícias concretas sobre enriquecimento, apenas, do Plínio Freitas, e do médico Dr. Aristeu.   Se outros lucraram nunca se soube.
                        Além do sonho frustrado que devolveu a paz e a pobreza à Vila do Capivara, o rastro de destruição causado nas suas vargens foi devastador. Os buracos, decorridos mais de vinte anos, permaneciam como chagas abertas. Aquela terra, molhada, propícia à plantação do arroz se tornou imprestável à plantação, sobrando aos ambiciosos fazendeiros os morros e as elevações também abandonados pela  plantação do café onde, então, passaram a pastar o seu pobre gado magro.
                        O varapau Genésio Almeida sobreviveu para consolidar sua fama. Por fim a sua quase doideira foi esquecida, até a sua morte. Dizia-se na Vila, com uma ponta de ironia, que os fazendeiros não tiveram o cuidado de consultá-lo sobre a possibilidade real de concretizar o sonho distante do ouro de aluvião.
VHCarmo.

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