Um conto de Fernando Sabino.
Os anos 60 do século
XX, no Brasil, foram marcados por uma insurgência literária que teve no conto
um singular canal de expansão. No auge da "guerra fria" e na
ocorrência histórica de movimentos revolucionários fortemente combatidos pelo
conservadorismo, muitos escritores se tornaram expoentes ao se servirem de uma
linguagem metafórica contundente para contestar. Calados pela violência apelaram para a
linguagem falsamente simplória que expunha os contornos da repressão e seu caráter então vigentes. Tristes tempos.
Este conto do grande
contista mineiro, Fernando Sabino, é
exemplar e coteja o prestígio dos donos da violência permissiva.
Olhem só:
A mulher do vizinho
Na rua onde mora (ou
morava) um conhecido e antipático General de nosso Exército, morava (ou mora)
também um sueco cuos filhos passam o dia jogando futebol com bola de meia.
Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro
do General e um dia o General acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do
bairro para dar um jeito nos filhos do vizinho.
O Delegado resolveu passar uma chamada no
homem e intimou-o a comparecer à delegacia.
O sueco era tímido,
meio descuidado no vestir e pelo aspecto não aprecia ser um importante
industrial, dono de grande fábrica de papel (ou coisa parecida), que realmente
ele o era. Obedecendo à intimação recebida, compareceu em companhia da mulher à
delegacia e ouviu calado tudo o que o delegado tinha para dizer. O delegado
tinha a lhe dizer o seguinte:
- O Senhor pensa que só
porque o deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar num troço chamado autoridades constituídas? Não sabe que tem de conhecer as leis do
país? Não sabe que existe uma coisa chamada Exército Brasileiro, que o senhor
tem que respeitar? Que negócio é esse?
Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como
se isso aqui fosse a casa da sogra? Eu
ensino o senhor a cumprir a lei, ali no
duro: "dura lex"! Seus filhos
são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o General,
vai tudo em cana. Morou?m Sei como tratar gringos feito o senhor.Tudo isso com
voz pausada , reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um
canto. O vizinho do General pediu, com delicadeza. licença para se retirar. Foi então que a mulher do vizinho do General
interveio:
- Era tudo o que o senhor tinha a dizer ao meu
marido?
O delegado apenas olhou-a
, espantado com o atrevimento.
- Pois então fique sabendo que também sei
tratar tipos como o senhor. Meu marido não é gringo nem meus filhos são
moleques. Se por acaso importunaram o General, ele que viesse falar comigo,pois
o senhor também está nos importunando. E
fique sabendo que sou brasileira, sou prima de u filha de um Major do Exército, sobrinha de um Coronel, e filha de um General!, Morou?
Estarrecido, o delegado só teve força para
engolir em seco e balbuciar humildimente;
- Da ativa, minha senhora?
E ante a confirmação,
voltou-se para o Escrivão, erguendo os braços desalentado:
- Da ativa Motinha, Sai
dessa.
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